Os ódios não podem prevalecer
Muito providencial, pelo momento tenso que se encontra o Oriente Médio, o artigo do professor Dennis Lerrer Rosenfeld em coluna do Estadão, “Hamas e o terror”, de 24 de maio último. Em seguida, a Folha de S. Paulo publica artigo intitulado “Hamas faz guerra contra acordos de paz de Israel com países árabes”, de Jaime Spitzcovsky, no dia 29 de maio. O tema é muito delicado, por estar extremamente polarizado, com altas doses de paixão e sentimentos de ódio e vingança, que cegam a visão dos interessados na questão. Aí reside o perigo, pois de forma consciente, ou inconsciente, a razão é abandonada, dificultando sua solução.
Ao invés de evoluirmos humanamente para uma subsistência pacífica, migramos para o antissemitismo, o antiarabismo e a islamofobia, todas reações demonstrando o que há de pior no ser humano. Poucos opinam, por justificados temores, e quando ideias construtivas surgem, logo são atacadas e demonizadas por elementos radicais que, infelizmente, são muitos. Basta ler os comentários de leitores da imprensa internacional, e principalmente local, e receber informações altamente racistas, sectárias e xenófobas, indignas de seres humanos tidos como educados, e civilizados.
Os autores partem de duas premissas. Uma, utilizando o termo paz, considerando com total razão, o que quase todos pensam, e querem, que é a aceitação e realização do Estado da Palestina, reconhecido pela ONU, ao lado, e em paz, com o Estado de Israel, com total respeito aos direitos humanos. Não permitir que mitos históricos, religiosos e nacionalistas, que todos os povos têm, ou já tiveram, guiem as soluções. Já vivemos imperialismos deletérios, baseados em pretensos direitos geográficos, raciais, religiosos, movidos por interesses políticos e econômicos, que tiveram consequências desastrosas para a humanidade. E os paradigmas preconceituosos são facilmente aceitos como sendo verdadeiros e incutidos em mentes desinformadas, tal e qual a forma de propaganda de Goebbels, que tanto ódio e destruição deixou de legado. Muitos se enfraquecem pela falta de lógica histórica, geográfica e religiosa. São pensamentos criados por mentes doentias, e educados para assim pensar, e odiar, e procurar vinganças, que nunca terminam.
Infelizmente, encontram terreno fértil para isso, em função de más informações, consequentes a interpretações sectárias e racistas das Escrituras. Um mínimo de informação, de diálogo, de respeito pelo outro atenuaria os preconceitos. Quantos leram, e interpretaram de forma adequada, o Alcorão, a Torah e a Bíblia? O cinema “educou” mais que os livros. Essa “educação” é levada para escolas, e crianças, que são altamente suscetíveis, tornam-se crentes de falsas verdades, e futuros fanáticos. O real ensino das lições de pensadores humanistas, de Sócrates a Paulo Freire, transmite que o debate de diferentes opiniões ensina, esclarece, enfim, educa. O diálogo pressupõe construção, e não destruição. O terrorista é um idealista frustrado e fundamentalista, que conclui que sua visão unilateral é a verdadeira. É melhor destruir o oponente, a entendê-lo.
O Oriente Médio foi por mim utilizado como exemplo do que se passa no mundo. A realidade de nosso país é semelhante. Deste ponto, vamos comentar a segunda premissa dos autores, que unilateralmente acham um culpado. É muito fácil culpar um lado, pois ambos têm erros. É só apontá-los. Ao julgarmos, e justificarmos nossos erros pelos erros dos outros, pode-se falsamente aceitar e admitir os erros como “normais”, necessários para se atingir um determinado fim, conveniente para um lado, mas não para o outro, ferindo o que entendemos como ética e moral. Por ser de interesse de um lado, passa a ser aceitável, e justificável. O injustificável passa a ser justificável, de acordo com a catequese de Goebbels, como lembra muito bem o primeiro autor, demonizando o oponente. Essa forma de propaganda, que tem um poder imenso, é muito utilizada, gerando guerras de informação. Quantas tragédias a humanidade assistiu, graças a essa amoralidade? Os fatos pregressos negativos são utilizados para culpar o outro lado. Demonizar um lado não leva à compreensão, e bloqueia qualquer iniciativa construtiva. O Hamas é culpado? O Bibi é culpado? Quem é o maior culpado? E o ódio não para de aumentar. É a “arqueologia do ódio”, que chega até Abrão. Matam-se, sem se conhecerem, simplesmente por terem outras opiniões, ou por vestirem camisas com outras cores. E os corporativismos radicais aumentam assustadoramente, perpetuando suas escolas malignas.
Como disse alguém, à beira da morte, pendurado em uma cruz. “Eles não sabem o que fazem.”
(*) Charles Mady é professor da Faculdade de Medicina da USP.