Planejamento sucessório em empresas com sociedades limitadas
Um dos fenômenos da natureza humana que sempre moveu culturas e sociedades e que representa, ainda nos dias de hoje, um grande mistério, diz respeito à morte. No contexto brasileiro, a relação com a morte é cercada por tabus, possivelmente influenciada pela composição histórica da sociedade, formada por imigrantes que escapavam de adversidades como guerras, fome e escravidão.
Apesar da negação cultural em torno da morte, a realidade não permite ignorar a ocorrência desse evento, especialmente quando se trata do falecimento de sócios em sociedades simples e empresariais. A morte em tais contextos frequentemente desencadeia conflitos que prejudicam as operações das empresas, envolvendo a divisão do patrimônio e os interesses dos herdeiros, de sócios restantes e da própria entidade.
A ausência de um planejamento pode levar ao declínio dos negócios familiares. Um estudo realizado pela PWC Brasil em 2016 demonstrou que apenas 12% das empresas brasileiras conseguem chegar à terceira geração. Muitas empresas familiares encerram suas atividades com o falecimento do fundador, uma vez que não conseguem se adaptar ao mercado após a perda do líder.
O planejamento sucessório é um desafio incontornável para as empresas familiares. Na Sociedade Limitada, na qual o contrato social pode ser moldado conforme os interesses dos sócios, é essencial que as empresas planejem de forma estratégica a eventualidade do falecimento de qualquer desses, a fim de garantir o bom andamento do negócio e a manutenção da atividade empresarial ao longo das futuras gerações.
A Sociedade Limitada é um dos modelos societários mais adotados por famílias empresárias, tendo em vista que oportuniza autonomia e pluralidade societária, permitindo a utilização do contrato social para prever cláusulas de administração e sucessão do negócio, inclusive a respeito da entrada de herdeiros na composição da empresa. De acordo com o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), cerca de 90% das empresas ativas no Brasil possuem perfil familiar, representando 65% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e empregando 75% da força de trabalho.
Apesar da grande expressividade das empresas familiares no cenário brasileiro, é alarmante a baixa preocupação com a sucessão dos sócios. Em recente pesquisa realizada pela PWC Brasil, observou-se que, embora 80% das empresas entrevistadas considerem a proteção da empresa fundamental e busquem criar um legado para as próximas gerações, apenas 24% possuem um plano de sucessão documentado.
A legislação civil brasileira não fornece uma regulamentação completa para lidar com as diversas possibilidades de sucessão causa mortis em sociedades limitadas, mas concede aos sócios a autonomia para dispor sobre o tema no contrato social, desde que respeitadas as normas de ordem pública. Essa liberdade contratual permite que qualquer assunto relacionado aos sócios e à sociedade possa ser objeto de acordo de vontades, expresso nas cláusulas que compõem o contrato.
Nesse cenário, o contrato social se destaca como uma ferramenta valiosa para o planejamento sucessório. O documento pode prever a entrada dos herdeiros na sociedade, substituindo o sócio falecido, ou a liquidação da cota do falecido com pagamento aos herdeiros, conforme a vontade da empresa. O contrato social também pode abordar regras de administração, representação em caso de morte do sócio administrador, compra e venda de quotas e outros aspectos como emprego familiar, dividendos e resolução de conflitos.
Em resumo, o contrato social da sociedade limitada é um instrumento jurídico versátil para planejar a sucessão de sócios. Sua elaboração cuidadosa permite que os sócios expressem suas vontades e garantam a continuidade dos negócios de forma harmoniosa. A inclusão de cláusulas que abordem a entrada de herdeiros, critérios de avaliação de cotas e formas de pagamento dos haveres são apenas alguns dos aspectos que podem ser tratados de maneira clara e objetiva.
A sucessão societária nas sociedades limitadas envolve uma delicada interação de interesses entre herdeiros, sócios e a própria empresa. É essencial que o planejamento da sucessão de sócio, expresso no contrato social, leve em consideração a vontade dos herdeiros de ingressar, ou não, na sociedade, bem como a aptidão para a continuidade do objeto social. Pode ocorrer de os herdeiros não quererem ou não terem aptidão para exercer o papel de sócio.
Da mesma forma, a saúde financeira da empresa e a viabilidade econômica do pagamento dos haveres aos herdeiros são também aspectos a serem ponderados. Isso porque, na ausência de uma regra específica no contrato social, a regra geral do Código Civil determina a liquidação da quota em caso de falecimento de sócio, com o pagamento dos haveres aos herdeiros no prazo de noventa dias, em dinheiro.
No entanto, a regra geral da legislação civil pode acarretar diversos problemas para a sociedade limitada, que pode não ter liquidez suficiente para fazer o pagamento dos haveres do sócio falecido em um prazo tão exíguo. Daí a importância de se pensar na morte de sócio e prever expressamente cláusulas no contrato social que levem em consideração todos esses aspectos.
A sucessão empresarial, como visto, é um tema complexo, que envolve a harmonização de interesses de múltiplas partes. No entanto, com um planejamento adequado e a utilização do contrato social como ferramenta estratégica, é possível garantir que a empresa continue prosperando, mantendo o legado familiar vivo e consolidando seu papel essencial na economia brasileira. A preparação para o futuro é a chave para assegurar a continuidade e o sucesso das empresas familiares, construindo um trajeto seguro para as próximas gerações.
(*) Alice Pagnoncelli Pituco é doutoranda e mestre no PPG em Direito.