Por um projeto de ciência para o país
Acometidos por uma surpreendente pandemia, a sociedade pôde testemunhar a reação intensa e dedicada da comunidade científica mundial. Igualmente, de forma espontânea, a comunidade científica brasileira juntou esforços nessa batalha incansável. Nossos médicos, enfermeiros, cientistas e profissionais de saúde mostraram uma excelência que a própria sociedade não parecia conhecer.
Nas universidades, assistimos ao esforço e sucesso em muitas áreas. O custo social, econômico e psicológico da pandemia tem sido objeto de pesquisas recentes em diversas áreas do conhecimento. Destaca-se, por exemplo, o rápido aprimoramento dos ventiladores pulmonares para hospitais e o avanço de uma telessaúde inclusiva e acessível.
Além disso, premidos pela grave situação humanitária, cientistas brasileiros participaram ativamente da validação de vacinas e adquiriram competências no seu processo de desenvolvimento. Com a imunização, observou-se significativa redução de casos graves e de óbitos produzidos pela covid-19. A correlação entre aumento de vacinados e queda de óbitos é inequívoca.
Diante de um grande desafio, nossos cientistas mostraram maturidade, competência e compromisso. Isso demonstra uma qualificação para atender um projeto de política científica, adequada e com metas para o país.
O estágio atual de excelência iniciou-se, de forma sistemática, nos idos de 1950, com a criação do CNPq e da Capes. Foi um momento estratégico para o Brasil, liderado por homens de visão como o Almirante Álvaro Alberto (CNPq) e o professor Anísio Teixeira, entre tantos outros.
Vivemos hoje o que foi plantado no passado. Devemos muito ao CNPq e à Capes, que são órgãos estratégicos para o país, cada qual em sua função. Hoje, o plantel de cientistas do país permite almejar um avançado plano de desenvolvimento científico e tecnológico, à altura das necessidades do país, desejando um progresso inclusivo. É uma hora crítica para investir para não perdermos o avanço conquistado e a capacidade e competência já instaladas. Os desafios aumentam de forma rápida, numa sociedade em grande transformação e não é hora para estagnar. Menos ainda de andar para trás.
O que tem ocorrido em políticas federais não coaduna com isso. Temos que avançar, não retroceder. Pesquisas descontinuadas nem sempre podem ser retomadas sem custos desproporcionais. A ciência não avança bem com sobressaltos e incertezas de financiamento. É necessária a estabilidade, conferida por um planejamento de longo ou médio prazo. Essa é, em essência, a política adotada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e explica em parte o alto desenvolvimento científico alcançado em São Paulo.
Os cortes federais de recursos financeiros concedidos à ciência sufocam o futuro. Já estamos assistindo a uma evasão de jovens cientistas, que serão desfalques muito caros. A perda dessa riqueza humana terá um custo muito alto e precisa ser revertida. O escândalo recente em que 21 proeminentes cientistas brasileiros renunciaram coletivamente à Ordem do Mérito Científico, prestigiada condecoração brasileira, em resposta a um governo que insiste no obscurantismo anticientífico, é sintomático do momento que vivemos.
O Brasil precisa de uma política de desenvolvimento que seja compatível com seu desejo de progresso, de redução de desigualdades e que almeje o bem-estar de sua população. No momento em que se discute a necessária retomada econômica mundial, é bom lembrar que não há solução econômica sustentável fora da ciência. Urge que o país estabeleça um projeto de educação e ciência com os investimentos necessários, de forma sustentável, comprometida e estável.
(*) Sylvio Canuto é pró-reitor de Pesquisa da USP.
(*) Edson Botelho é pró-reitor de Pesquisa da Unesp.
(*) João Romano é pró-reitor de Pesquisa da Unicamp.