Precisa-se de ‘políticos climáticos’ no Brasil
O que cada cidadã/o brasileira/o pode fazer sobre o aquecimento global? Nunca a humanidade esteve a consumir e poluir tanto de modo tão fugaz. Há um problema estrutural no mundo e não é o aquecimento global, pois esse fenômeno é só o efeito de uma lógica de viver: o neoextrativismo antropocêntrico, tema caro para crítica/os latino-americana/os como Alberto Acosta, Eduardo Gudynas, Maristella Svampa e Sílvia Cusicanqui. No Brasil, temos ecologistas-políticos: Kopenawa e Krenak.
Em tempos de negacionismo científico, ser um agente político parece essencial para superar os efeitos de tal lógica de habitar e viver. Negacionistas defendem: não há aquecimento global, a Terra é plana, alimentos com agrotóxico são benéficos, o progresso e o consumo de produtos de alta obsolescência são inofensivos. Comem-se florestas para justificar todo tipo de monocultura e extrativismo. Comem-se montanhas para que eletrônicos possam ser descartados rapidamente. A água não é mais potável, o ar já não é tão mais puro, e a terra continua a ser contaminada.
Mas, afinal, do que se trata esse fenômeno etéreo e distante, porém agressivo, que atende por nomes como aquecimento global e mudança climática? O aquecimento global é real e é fruto da ação humana. A mudança climática já é uma comprovação científica de acordo com o Painel Intergovernamental para a Mudança de Clima (IPCC, em inglês). Se havia uma controvérsia científica, ela acabou há 20 anos. Vale comentar que o IPCC, criado em 1988 pela ONU, provê à sociedade, em especial aos formuladores de políticas, informações consolidadas sobre a emergência climática.
O aquecimento global pode ser enquadrado como um alerta para a humanidade. Um chamado para que se mude o modo de habitar, produzir e viver na Terra. As mudanças climáticas demandam uma mudança: migrar da lógica neoliberal-neoextrativista – onde há a ilusão da liberdade irrestrita e o autoconsentimento para exploração ilimitada do outro, inclusive humanos e além de humanos – para uma outra ecologista e convivialista – onde seja reconhecida a dignidade do outro e seja possível criar espaços de ‘com-vivência’ sem violência, simbólica ou física, para humanos e para a Natureza.
Retorno à reflexão inicial: “O que a/o cidadã/o pode, então, fazer no âmbito local?”. Resposta rápida: exercitar práticas ecologistas diárias por meio de uma régua ética (socio)climática. Precisa-se de uma nova régua moral, para poder dar conta dos desafios locais, pois o aquecimento é global, mas as soluções precisam ser adequadas a cada território. As palavras importam. E as ações também. Uma visão de mundo mais palavras e ações é igual a um agir político no mundo. Mas na prática o que isso significa?
Precisa-se de mais ecologistas do cotidiano. Precisamos de mais Krenaks e Yanomanis para evitar que o céu caia sobre nossas cabeças, para adiar o fim do mundo, enfim, para reconhecer que um certo tipo de visão de mundo urbanizada industrial e extrativista, e principalmente patriarcal, hierarquizada e egoísta, pode levar a vida na Terra ao colapso. Não se trata de uma narrativa alarmista.
Precisa-se de guardiãs/ões. Ailton Krenak faz um alerta, ao afirmar que não são os povos indígenas os únicos guardiões da floresta, mas cada cidadão que habita a Terra. Cada pessoa, em sua escolha cotidiana, decide comer mais ou menos a floresta. Davi Kopenawa, um Yanomami, em A Última Floresta, conta a história de como os juruás não sabem viver harmoniosamente com as águas e as montanhas: “Os juruás preferem garimpar e contaminar os rios. Os juruás preferem comer as montanhas e adoecer ao liberarem as fumaças da doença do petróleo e dos minerais tóxicos”.
Precisa-se reconhecer que o Brasil é um território plurinacional. Que há mais de 300 visões de mundo diferentes. Isso só para mencionar as etnias indígenas brasileiras. Eles fazem políticas climáticas há mais de 1.000 anos, e os juruás, nós, não indígenas, temos muito a aprender sobre formas de conviver com a Natureza.
Precisa-se de uma ética do cuidado, como argumenta Leonardo Boff, em nossas escolhas diárias. Uma régua que permita que cada pessoa assuma a responsabilidade por seus atos cotidianos. Da consciência do tempo de uso da água diária durante o banho para mitigar a crise hídrica à decisão de reduzir o consumo de plástico ou produtos que precisaram viajar por meio planeta. Trata-se da política climática do cotidiano.
Precisa-se de cidadã/os-política/os. As políticas climáticas brasileiras foram iniciadas oficialmente em 2009, com a instituição da Política Nacional sobre Mudança do Clima. A política, porém, não é exercida somente por servidores públicos dos poderes executivos ou legislativos. Há conselhos municipais, associações de bairros, entre outras entidades locais.
Precisa-se de políticos-mirins. No Brasil, uma parcela de jovens começa a propor políticas a partir da sociedade civil. Iniciativas como Engajamundo, Jovens Políticos pelo Clima, Greve pelo Clima Brasil, entre outros, demonstram que qualquer cidadão pode fazer política. Esse agir político da sociedade civil brasileira ainda precisa superar o mito do ‘política não se discute’ ou ‘política quem faz é somente vereador, deputado, senador, prefeito, governador e presidente’. Talvez o Brasil precise de um emergente ‘efeito Krenak/Kopenawa’. Uma força coletiva que transforme cada cidadão em protetor da floresta e, consequentemente, do planeta.
Não estamos, portanto, em uma era de mudança climática, mas de colapso planetário. O aquecimento global é verídico e as iniquidades socioecológicas aumentam de modo agressivo nas últimas décadas. No plano científico, em 2022 está prevista a publicação atualizada pelo IPCC sobre a questão climática. Mas será que um chamado ético estará na pauta? E deixo uma provocação: “Quando nós, juruás, vamos começar a usar uma nova régua ética para reorientar nosso estilo de habitar e viver nesse mundo antes do apocalipse anunciado?”.
(*) Frederico Salmi é mestrando no PPG em Sociologia da UFRGS e integrante do grupo TEMAS (Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade) e do Programa AmazonFACE.
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