Um grande impacto por dia no agro
Lembro que no ano passado, nesta análise mensal, tivemos alguns meses onde poucos assuntos a não ser preços mereciam destaque, mas neste ano… temos um grande impacto por dia… Começando o resumo de abril pela arena internacional. São crescentes as preocupações e no centro do problema está a pandemia do coronavírus. Espalham-se notícias de retração econômica e os impactos ainda não são conhecidos pelos agentes econômicos. Tudo dependerá do tempo das políticas de isolamento em cada país, que por sua vez dependem dos indicadores de contaminações e adoecimentos. Não bastasse isso, as tensões entre EUA e China aumentaram recentemente.
Também são crescentes os relatos de interrupção de produção em muitas indústrias de alimentos e as preocupações com escassez de alimentos que essas podem trazer. Nos EUA está piorando a situação nas carnes, por exemplo, e na Europa, a colheita de frutas e outros produtos. Nos EUA, casos foram reportados pela Reuters de empresas que cobraram de seus funcionários para fornecer as máscaras de proteção. Outra indústria no Colorado dispensou 30% dos funcionários depois de uma fatalidade com o vírus. Uma empresa no Quebec/Canadá e outras dez nos EUA também tinham fechado durante algumas semanas de abril. A unidade de uma grande empresa de suínos fechada é responsável por quase 5% do que é produzido no país. Além disso, as novas medidas de proteção necessárias reduzem a produtividade e aumentam os custos de produção, com empresas correndo atrás dos equipamentos de proteção, que estão em falta.
O problema segue a montante na cadeia produtiva, pois como indústrias não conseguem abater na performance necessária, empurram o problema para trás, e isso já derrubou o preço dos suínos em 35% e de bovinos em 15% (Reuters) e levou ao abate e ao enterramento de animais que não foram processados.
Os migrantes que normalmente fazem a colheita na Europa Ocidental não estão chegando, colocando em risco muitas cadeias produtivas como morango, aspargos, entre outros. São contingentes de 100 a 200 mil pessoas por países europeus que não estão entrando e comprometendo as cadeias integradas.
Os problemas não são apenas nos frigoríficos, mas, também, em atacados e lojas, com aumento do absenteísmo. Por outro lado, os americanos fizeram grandes estoques em casa, o que alivia um pouco a situação do momento. O problema de desabastecimento, em ocorrendo, será nas variedades de produtos, pois alguns itens faltarão e terão que ser substituídos. O problema nos EUA só não é mais grave pois a demanda de carnes caiu próximo a 30% com a queda do setor de restaurantes, que usam muita carne, sendo que o setor do varejo não compensou essas vendas (Rabobank). Outra alternativa será a mudança do mix, vendendo peças inteiras de carne e não mais cortadas.
Esse problema de interrupção das cadeias de suprimento tem levado a um movimento interessante de protecionismo, de um lado, com países proibindo suas importações e, de outro lado, países importadores acelerando acordos para buscar alimentos em outras fontes. Segundo a OMC, em apenas um mês, 166 novas medidas comerciais foram tomadas pelos países membros. Destas, 94 foram para facilitar o comércio.
Já na Europa o pedido dos produtores é para restringir as importações devido à queda na demanda, advinda principalmente do fechamento do food service (restaurantes). Estão com receio de excesso de ofertas de carnes, principalmente. A sugestão seria suspender alguns tipos de importações com tarifas melhores e com isso um aumento de tarifas médias. Pedem também restrições ao etanol brasileiro e americano devido à queda de consumo e excedentes de produção.
A China segue importando com toda a força. Na soja, de acordo com dados da Aduana, foram 17,8 milhões de toneladas no trimestre, 6,24% a mais que na comparação com o ano anterior. As importações de suínos em março foram de 391 mil toneladas, quatro vezes mais que no mesmo mês do ano anterior, e no primeiro trimestre as importações praticamente dobraram. Já de carne bovina foram de 531 mil toneladas importadas, um crescimento de 65% na comparação entre os trimestres de 2020 e 2019. No entanto, alguns analistas acreditam que deva cair devido à queda no consumo de carnes em restaurantes. Segundo o Ministério da Agricultura chinês, as importações de soja devem crescer neste ano para 92,5 milhões de toneladas, indo para 97 milhões em 2025 e 100 milhões em 2029. Em suínos, a previsão é importar neste ano 33% a mais que no ano passado, chegando a 2,8 milhões de toneladas, principalmente graças ao problema da peste suína africana. Os preços mais elevados devem derrubar o consumo de suínos em 5,6%, ficando em 42 milhões de toneladas. A produção deve cair neste ano para 39,3 milhões de toneladas.
Para os produtores nos EUA são tempos sombrios. Com a demanda de etanol de milho caindo muito devido ao isolamento (é misturado em 10% na gasolina, que teve enorme queda), as empresas de processamento fecharam e parte desse milho vem sendo vendida como grãos, inundando o mercado. O USDA estima que 10 milhões de toneladas já tomaram esse destino. O milho em US$ 3,32/bushel nos EUA é realmente um desastre. A soja está a US$ 8,5 o bushel, também caindo, pois, com o milho nesta situação, produtores podem tomar a decisão de plantar mais soja agora na época do plantio.
No Brasil, do lado da economia estamos sendo impactados muito negativamente, tal como o resto do mundo. Segundo o Bradesco, o PIB neste ano deve encolher 4% e crescer 3,5% em 2021. Estima-se um IPCA de 2,2% em 2020 e de 3% em 2021, e com isso a taxa Selic deve cair até 2,25% e permanecer até o final de 2021. Para o câmbio, estimam R$/US$ 4,90 e R$/US$ 4,50, respectivamente, para o final deste ano e do próximo.
No último relatório Focus do Banco Central, o IPCA de 2020 caiu de 2,2% para 1,97% e, para 2021, ficou em 3,3%. A taxa Selic fica em 2,75% no final deste ano e em 3,75% no final do ano que vem (ante 4,25% na última leitura). Para o PIB, a estimativa é de queda de 3,76% e aumentando 3,2% no ano que vem. As projeções do câmbio pularam de R$/US$ 4,80 para R$/US$ 5,00 neste final de ano e no final do ano que vem de R$/US$ 4,55 para R$/US$ 4,75.
No setor industrial brasileiro temos uma coleção de más notícias, por exemplo, as vendas de carros, que em março caíram 22% em relação a março de 2019 e 37% em relação a fevereiro. Abril, quando divulgado, deve ser um desastre ainda maior.
Já no agro, as notícias são melhores. No boletim de abril da Conab, a expectativa é de uma produção de 251,8 milhões de toneladas de grãos, um crescimento de 4% em relação à safra passada, equivalente a 9,7 milhões de toneladas adicionais. Para a área cultivada, espera-se um crescimento de 2,9%, atingindo 65,1 milhões de hectares. Na soja devemos produzir uma safra recorde de 122,1 milhões de toneladas, apesar da seca enfrentada pelo RS, com incremento de 2,7% na área total. O algodão deve atingir produção de 2,88 milhões de toneladas de pluma, com área 3,6% superior. O fim da colheita da safra de milho deve confirmar produção de 25,3 milhões de toneladas, 1,5% menor que a passada; no entanto, a área plantada da segunda safra cresceu 4,5%, chegando a 13,5 milhões de hectares, que deverão colher 75,4 milhões de toneladas. Aqui está um grande risco a ser monitorado: as chuvas sobre a segunda safra.
Nova estimativa do valor bruto da produção (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa) é de R$ 690 bilhões, 7,6% acima de 2019. Isso significa R$ 6,8 bilhões a mais que o estimado em março. Para as 21 principais lavouras agrícolas cresce 8,3% e atinge R$ 453,5 bilhões, e nas cinco atividades da pecuária cresce 6,2%, chegando a R$ 236,8 bilhões. O valor bruto da produção de soja será de R$ 159,2 bilhões, praticamente 13% maior. Bovinos também crescem 13%, atingindo R$ 102,3 bilhões. Já o milho deve crescer 17%, com um total de R$ 76,2 bilhões. Penso que esses números tendem a crescer ainda mais nos próximos meses devido à desvalorização do real. O Ipea estima o PIB da agricultura crescendo 2,4% neste ano.
As exportações do agro brasileiro em março não foram afetadas pela pandemia e totalizaram US$ 9,29 bilhões, aumento de 13,3% em relação ao mesmo período do ano passado (US$ 8,20 bilhões), de acordo com o Mapa. O grande destaque fica com a soja em grão, com US$ 3,98 bilhões, a maior cifra histórica para o mês, e 31,7% superior ao dado de 2019. As vendas de carnes atingiram US$ 1,38 bilhão, crescendo 12,7%; as vendas de carne bovina foram de US$ 637,81 milhões (+20,5%); carne de frango, US$ 546,06 milhões (-1,6%); e carne suína, US$ 165,03 milhões (+56,6%) – recordes do mês também para carne bovina e de porco. Produtos florestais venderam US$ 1,03 bilhão (-6,1%) e o café exportou US$ 458,69 milhões (-1,7%). As importações do agro aumentaram, totalizando US$ 1,28 bilhão, o que equivale a um incremento de 12,3%, deixando o Brasil com saldo positivo de US$ 8,01 bilhões na balança comercial.
Vale uma nota especial no artigo deste mês ao suco de laranja. Dados A.C. Nielsen nos supermercados dos EUA (período de 12 de março a 11 de abril de 2020) mostraram que o consumo geral de suco cresce de 30 milhões para 44 milhões de galões quando comparado ao mesmo período do ano anterior. O suco não concentrado (NFC) teve venda de 26 milhões de galões (50% a mais) com aumento de preços de 3,3% (US$ 8,7/galão), fazendo o faturamento crescer de US$ 146,6 para US$ 226,4 milhões. O reconstituído (FCOJ) cresceu de 10,7 para 14,5 milhões de galões (35%), a um preço médio de US$ 4,9/galão, levando o faturamento de US$ 51,7 para US$ 71,23 milhões.
Demais produtos também cresceram. Os motivos foram: estoques em casa, redirecionamento de vendas em restaurantes, mas, principalmente, busca por imunidade. Foi uma grata surpresa e a esperança é que o conceito de nutrição, alimento líquido e imunidade se fortaleça para segurar parte deste crescimento ao final da pandemia, a se observar.
No momento do fechamento desta análise mensal observamos bons preços em reais para as principais commodities, principalmente pelo efeito cambial, pois em relação aos preços médios mensais das principais commodities em dólar, levantados pelo Valor Data, em abril estes estiveram 5,5% maiores para o suco de laranja, tivemos perdas de 6,8% para o algodão em pluma, 9,5% para o milho e 2,7% para a soja.
Cinco fatos do agro para acompanhar agora diariamente (talvez não diariamente, mas a cada hora) em maio são:
- os impactos do coronavírus na economia mundial, nas exportações do agronegócio e nos preços das commodities;
- os graves impactos do coronavírus na economia brasileira e o andamento dos problemas, das operações logísticas, a governança política e a gestão da crise política instalada e seus efeitos no câmbio. Fechamos essa coluna com elevada incerteza no cenário externo e interno e com o dólar valendo mais de R$ 5,50;
- o comportamento do clima na segunda safra de milho; não podemos ter problema climático afetando as esperadas 75 milhões de toneladas;
- China e Ásia: seguir as notícias dos impactos da peste suína africana na produção da Ásia nos preços e quantidades de carnes importadas do Brasil, e mudanças dos hábitos de consumo. O assunto ficou meio esquecido com a crise do coronavírus, mas segue presente;
- expectativas da safra a ser plantada nos EUA (alocação de áreas para soja, milho e algodão principalmente) e os destinos do milho que não será usado para etanol, além das contaminações e paralisação de atividades fabris que ameaçam o abastecimento.
(*) Marcos Fava Neves é Engenheiro Agrônomo, tem PhD em Administração e é professor titular da USP (Universidade de São Paulo).