Um novo rei
Desde que o mundo é mundo, o homem sempre buscou alguém que dirigisse sua vida. Que lhe dissesse o que fazer, para isentar-se da responsabilidade de seus atos, atribuindo aos outros a causa de seu infortúnio.
Assim, surgiram os reis e as religiões, que assumiram a condução da vida de seus súditos ou fiéis. Segundo a lenda, o rei Sargão de Acádia, na antiga Mesopotâmia, foi o primeiro rei de que se tem notícia.
Ele estabeleceu o primeiro império no mundo, por volta de 2.330 a.C., na região situada entre os rios Tigre e Eufrates (onde hoje estão o Iraque e o Kwait). Segundo essa lenda, Sargão nasceu em segredo, filho de uma mãe sacerdotisa, que o deixou à deriva nas águas de um rio, onde foi encontrado por um cidadão comum.
Historicamente, a figura do rei já existia entre os primeiros líderes tribais ou chefes de diferentes povos, mas poderia ser também o tirano de uma cidade-Estado. Muitas vezes, o rei não tinha apenas uma atribuição política, mas sobretudo religiosa, atuando como sumo sacerdote ou divino rei, como foi o caso de inúmeros reinos antigos. Os faraós no antigo Egito são um exemplo claro disso.
O que se observa é que a humanidade sempre teve a necessidade de ter um norte, que pode ser personificado na figura do rei. Os hebreus, por exemplo, eram governados por juízes, mas tanto clamaram por um rei, que Deus por intermédio de Samuel, ungiu o seu primeiro rei, Saul.
E as mais diferentes dinastias foram se sucedendo ao longo do tempo, em todos os lugares. Hoje, neste mundo moderno com tecnologia a mais avançada, com tantos sistemas de governos diferentes, foi suscitado um rei que se tornou soberano, reinando em todo o planeta de forma absoluta e total, sem contestação de ninguém – tanto que se dirigem a ele, de forma submissa, reverente, abaixando a cabeça e permitindo seu domínio completo: o celular.
Seu predomínio é tão grande que quando, eventualmente se perde, instala-se o pânico: “E agora, como vou fazer?” A vida de todos fica dependente desse instrumento tão dominador e tão útil, ao mesmo tempo, que cabe na palma da mão.
A submissão é tão grande que o diálogo entre as pessoas foi eliminado de forma quase total. Todos deixam de participar de acontecimentos presentes para filmá-los e depois mostrá-los como um troféu.
Essa distorção ocorre pelo uso inadequado, pois o aparelho galvanizou de tal forma a atenção das pessoas – que não percebem essa dominação – que gerou uma dependência enorme, e acabou causando um dos males do século: a ansiedade. A ansiedade em aparecer, em demonstrar protagonismo, uma vontade imensa de ser importante.
O volume de informações atingiu uma dimensão tão grande, com bombardeio de notícias em tempo real, do conhecimento elevado à enésima potência, com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo e gerando a ânsia de registrar tudo, que alterou o funcionamento da mente e sua capacidade de desacelerar o pensamento, de gerir as emoções, comprometendo a nossa qualidade de vida.
A ansiedade se caracteriza pela difusão do medo, da insegurança, da respiração acelerada. Antigamente, a ansiedade agia de forma natural, como reação a um perigo e com a adrenalina gerada proporcionava a ação de defesa. Mas, hoje, com as consequências da vida moderna, muito agitada, o uso indiscriminado do celular provocou manifestação e frequência aceleradas.
Pelo andar da carruagem, contudo, não temos como dispensar o uso do celular. É um equipamento criado para facilitar a comunicação moderna, sempre tão rápida e exigente. A saída é aprender a utilizá-lo de forma adequada e coerente, sem nos submeter ao que os outros pensam e procurar vencer a ansiedade de querer mostrar o que, na realidade, não somos.
Ou seja, temos que agir com consciência. É a hora de olharmos esse “rei” de frente e usá-lo como veículo de comunicação, que na realidade é a sua função primordial. Ele está aqui para nos ajudar, e não para nos atrapalhar a vida. Pensemos.
Heitor Rodrigues Freire (*) – Corretor de imóveis e advogado.