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Beba das Crônicas

As balas de caramelo importadas das lojas Americanas

André Alvez | 23/01/2023 11:08

Quando a loja Americana abriu em Campo Grande, foi uma enorme novidade.

Era uma loja imensa, ocupava o quarteirão entre as ruas Dom Aquino e Marechal Rondon. Tudo chamava a atenção, era uma loja completamente diferente de todas as existentes por aqui, tinha até lanchonete na qual cozinhavam o melhor cachorro quente que já comi na vida.

Indo para o trabalho, peguei um costume besta de atravessar a loja pra cortar caminho.

Tinha muita coisa para se ver lá dentro, inclusive as moças funcionárias, carinhosamente chamadas de “as meninas das lojas Americanas”, vestidas numa calça bordô e camisa branca de algodão.

Mas o que chamava mais atenção era a gôndola das balas importadas, completamente espalhadas, envoltas em papel brilhoso, como se fosse um chamado: “venha pequeno menino, me leve com você”.

Um dia roubei uma bala de caramelo, daquelas importadas que só tinha nas lojas Americanas. Ninguém notou. Peguei costume, fazia todos os dias: atravessar a loja, roubar uma bala e na rua estalar a boca num gosto de caramelo importado.

Ficou tão costumeiro que nem disfarçava mais, enchia o bolso e saía assoviando.

Durou pouco. Um dia um guarda percebeu, me apanhou pelos braços, me levou para o andar de cima e ameaçou raspar meus cabelos. Nunca sofri tanto. Chorei, implorei perdão, prometi nunca mais sequer entrar na loja.

Tinha uma moça linda que trabalhava lá, morena, olhos verdes, outros atributos físicos que não vou falar. Ela me arrancou dos braços do guarda, "deixe ele comigo", me jogou no elevador, o dedo em riste: "suma daqui!"...

Fui embora soando bicas, envergonhado, tremendo.

Dois anos depois, no Colégio Oswaldo Cruz, no curso noturno do oitavo ano, lá estava ela, sentada num canto da sala, me encarando: "conheço você de algum lugar...".

A reconheci de imediato, um par de olhos verdes daqueles não some da cabeça de um menino de quatorze anos. Fingi que não era comigo, balancei a cabeça negativamente, mas ela sorriu, estalou os dedos, "o ladrãozinho de balas", riu alto e beijou o namorado japonês: "sabe o trabalho de português? Já sei quem vai fazer para nós"...

Ficamos amigos, embora agora sequer me lembre do seu nome.

Ela salvou meus cabelos, não contou pra ninguém na escola. Em troca, teve ótimas notas de português...

Só lembrei dessa história porque agora soube que as Lojas Americanas devem bilhões e senti um gosto de bala de caramelo importado estalar na minha boca.

André Alvez

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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