Cenas do hospital - Crônica de André Alvez
A senhora atendente do balcão do hospital tem um rosto amargo (sono, talvez). Nem ligou para mim. Dei três tossidas fortes e só então me olhou. Olhos tomados pela melancolia (mas talvez fosse sono).
- Pois não, senhor?
- Tosse, dor de garganta, corpo destruído.
- Qual o convênio?
Digo o nome do convênio em meio a duas tossidas. Ela anota de cabeça baixa.
- Na verdade eu só quero uma receita. Sempre tive essa gripe, ela aparece há cada cinco anos.
Ela nem me olha, preenche uma ficha e seu rosto lembra tormentos. Um bocejo leve, sim, sono, pobrezinha.
- É só aguardar.
Demorou mais de meia hora para me chamar. Entrei numa sala, veio uma moça volumosa me atender. Achei que fosse médica, mas logo percebi que era enfermeira. Cabelo loiro liso, rabo de cavalo, tudo grande, os olhos crispados de uma estranha luz (talvez fosse sono).
Tentei puxar conversa:
- Antigamente a gente ia numa farmácia, aplicava uma injeção e no outro dia já estava bom.
Ela me olhou quieta.
- O médico já vem.
Mais meia hora, chega o doutor:
- Tosse, dor no corpo, garganta arranhando...
Ele anota tudo e gera uma receita pelo computador.
- Nossa, no meu tempo o médico fazia a receita à mão, ninguém entendia porr... não entedia nada.
Rosto de pedra.
- Vou passar soro e inalação que o senhor vai fazer aqui mesmo.
- Nossa, antigamente...
O médico não me ouve, vai embora sem adeus, me deixando esperar mais meia hora...
Chega um enfermeiro, esse tinha o rosto bom, sorriso largo, provavelmente bem dormido.
Mas me faz um furo dolorido na mão para drenar o soro.
- Vai demorar?
- Meia hora, talvez quarenta minutos.
Ele sorriu novamente e foi saindo, certamente deu tempo para escutar o meu último reclame:
- Sabe, antigamente era melhor, bastava uma injeção de eucalipto...