"Fácil não era", afirmam cigarreiros sobre vida de crime nas estradas
Dois réus em processo contra 16 pessoas conversaram com o Campo Grande News nesta sexta-feira
Existe uma máxima popular brasileira de que a “oportunidade faz o ladrão” e ela cabe, direitinho, no diálogo tido nesta sexta-feira pela reportagem do Campo Grande News com dois réus por fazer parte da máfia dos cigarreiros, responsável por distribuir no Brasil produto de baixa qualidade vindo do Paraguai, ilegalmente.
Na conversa, situação rara pois normalmente esse tipo de acusado manifesta-se só nos processos, ou na frente do juiz, os dois contam versões parecidas: dizem que eram pequenos comerciantes e foram parar, “a convite”, no mundo da venda ilegal de cigarro.
Também respondem de forma semelhante, um assentindo à resposta do outro, quando indagados se foi o “dinheiro fácil” o motivo. “Fácil não era, porque a gente corre muitos riscos”, afirmou Francisco Job da Silva Neto, apontado como chefe do grupo. Do lado dele, Paulo Henrique Xavier, segundo a acusação um dos gerentes da quadrilha, fez sinal afirmativo.
Os dois, porém, não responderam quando veio a insistência em saber por quê, se é tão perigoso, continuaram na atividade? Fizeram silêncio e expressão de dúvida. Esse tipo de atividade normalmente está atrelado a outros crimes, como por exemplo a posse e uso de armamento ilegal.
Paulo Henrique e Francisco Job negam a acusação de ser nomes fortes no grupo criminoso. Afirmam ser apenas “batedores”, ou seja, ficavam em veículos acompanhando as cargas. Essa tarefa normalmente rende punições penores.
Sobre a vida antes da atividade ilícida, Paulo Henrique afirma que estudava Direito e antes, trabalhou como mecânico por muito tempo. Afirmou ter começado a revender “coisas” compradas no Paraguai e, em dado momento, não precisado por ele, foi chamado para atuar como batedor no transporte de cigarro contrabandeado.
Francisco, que é do Rio Grande do Norte, relata ter atuado como comerciante de enxoval, percorrendo cidades, até mudar-se para Ponta Porã e continuar com o ofício. Também diz ter sido chamado pela quadrilha.
Nenhum dos dois alegou ser totalmente inocente. Paulo, inclusive, afirmou estarem “colhendo o que plantaram”. Francisco emendou: "errar uma vez tudo bem, errar de novo é burrice".
Operação - Os dois entrevistados são apontados como nomes importantes de quadrilha alvo da Operação Trunk, ocorrida no dia 31 de julho deste ano. No período de julho de 2018 a março de 2019, foram aprendidos quatorze caminhões e dois carros de passeios, todos lotados de cigarro, como parte da investigação.
Durante oito meses de investigação, o prejuízo ao erário foi calculado em R$ 42 milhões. Num único flagrante, a carga foi avaliada em R$ 3 milhões. As ações contra a organização criminosa ocorreram em Mato Grosso do Sul, em São Paulo e na Paraíba.
Paulo e Francisco são réus com mais 14 pessoas. Nesta manhã, participaram de audiência na 3ª Vara da Justiça Federal, em Campo Grande, onde tramita o processo.
A sessão foi para ouvir acusação, incluindo um dos policiais responsáveis pela investigação. O agente de segurança pública fez o detalhamento de como, segundo a apuração feita, funcionava a quadrilha de contrabando de cigarro, desde a origem até a distribuição do produto aos mercados consumidores.
Pedido extra – Durante a audiência, as defesas de cinco réus aproveitaram para defender a liberdade provisória deles ou pelo menos a adoção de medidas cautelares, como uso de tornozeleira.
Há dois policiaisa rodoviários federais presos, Moacir Neto e Alaércio Dias Barbosa, que participaram por videoconferência. No caso de Alaércio, os advogados sustentam que aposentou-se e por isso não precisa mais ficar preso para responder ao processo. O argumento é de que como não está no cargo, não representa risco de usar a função para dar guarida aos cigarreiros, como é acusado.
Quanto a Moacir, o pedido é de liberdade provisória com algum tipo de medida cautelar, como por exemplo o afastamento da função de policial.
Outro réu cuja soltura foi solicitada é José Antonio Mizael Alves, o Zezinho, outro tido pelos investigadores como integrante do núcleo de comando da organização. No caso dele, a tese para o pedido de colocação em liberdade, com ou sem fiança, é o fato de ser réu primário, empresário, com endereço fixo.
Citados no começo do texto, Paulo Henrique e Francisco também tentam o benefício de esperar o fim do processo livres. Todos os pedidos foram feitos durante sustentação oral em meio à audiência.
O procurador da República que atua no caso, Silvio Amorim, concordou. Para ele, o encarceramento não é mais necessário, considerando os requisitos normalmente usados para pedir prisões. “Estão presos pela garantia da instrução processo e da ordem pública. Acredito que não apresentam risco”, manifestou-se.
O juiz responsável pela decisão, Bruno César Teixeira, vai avaliar as solicitações “com calma”, no gabinete.