Assembleia nasceu de uma mulher e força delas marca causa indígena
Plenária das mulheres simbolizou o anúncio de uma marcha de mulheres indígenas em Brasília
É possível vê-las por todos os cantos. O sol que castigou a aldeia Ipegue, em Aquidauana - na quinta-feira (9), segundo dia da 13ª Assembleia Terena – ilumina cada um dos rostos e roupas coloridas que espalham-se pela quadra e arredores da escola que abriga o evento. São as mulheres, que pegam o microfone, e que lideram e protagonizam, hoje, uma potência no coração do movimento indígena.
É com orgulho que toda a comunidade sabe, também, que a “grande reunião Terena”, o “Hanait Hounewa Terenoi”, que é hoje chamada da Assembleia Terena – maior espaço de articulação política da etnia em Mato Grosso do Sul – “nasceu” de uma mulher. Dona Nena, 65, é símbolo respeitado por onde passa e arrancou lágrimas, durante a manhã, ao falar do início do movimento, em 2012.
Sete anos depois, as mulheres, antes à margem, “tomaram de assalto” o espaço político. A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), entidade com sede em Brasília e a com maior projeção sobre a defesa dos direitos de povos originários, é presidida por uma mulher, a ex-candidata a vice-Presidência Sônia Guajajara (Psol).
Sônia e outras mulheres ajudaram a entoar as vozes pela luta territorial e contra o machismo durante a tarde de quinta-feira em uma plenária só de mulheres. Junto a ela, mulheres Terena, Kadiwéu, Guarani e Kaiowá e Célia Xakriabá, liderança mineira que desponta Brasil afora pelo protagonismo na luta.
Com cocares, pinturas no rosto e no corpo e microfones na mão, deram o recado: a luta continua. Continua em meio ao medo e às tensões de um governo recém chegado, mas apressado ao por em prática o que os índios chamam de “ataque aos direitos tradicionais”.
“Em 2012 houve uma reunião em Imbirussu [aldeia] e questionamos outras mulheres para irem assistir e escutar”, conta Dona Nena, sobre o início da Assembleia Terena. “Quando fomos, nos reunimos e nos perguntamos como vai chamar essa reunião”
Nena relata que cerca de 32 mulheres se fizeram presentes à época. “A gente mostrava a nossa conduta, vamos mostrar que somos índios”. “Agora, estamos conversando entre as mulheres, como vamos lutar agora para enfrentar o governo. Por isso estamos reunidas, para ver como vamos chegar no presidente”, afirma, destemida.
Para a terena Evanilda Rodrigues, 37, natural da aldeia Passarinho, em Miranda, a luta das mulheres cresceu porque elas souberam se organizar “após os governos não atenderem”. “A saúde e a educação são prioridades, são pautas mais fortes, somos nós que saímos contra esse governo, buscamos respostas para trazer para a comunidade”, conta.
Evanilda já esteve em Brasília três vezes, além da Argentina, onde falou sobre o machismo que atinge as mulheres nas aldeias. “Nós sofremos enquanto mulher e enquanto mulher indígena”, diz.
Mulheres indígenas em marcha – Pela primeira vez três anos de articulação devem ganhar as ruas em Brasília. Entre os dias 9 e 13 de agosto mulheres indígenas marcham pela capital do país em reinvindicação aos seus direitos, movimento que deve se juntar à marcha das margaridas, durante os mesmos dias. É o que explica Sônia Guajajara.
“Está crescendo a cada dia [movimento de mulheres], estamos assumindo vários lugares, na luta política, a gente está com insistência. A marcha vem para fortalecer a luta política pela terra, uma luta que a gente já faz”, declara.
Corpos políticos – Célia Xakriabá relata que o momento é significativo “para pensar a potência dos corpos das mulheres como estratégia política, como cura”. “A luta das mulheres indígenas inspiradas no matriarcado é uma força que emerge. O governo pode ter a caneta na mão, mas não sabe ter resistência, jamais vão calar nossas vozes”, complementa.
Célia cita casos diversos de assassinatos de mulheres indígenas, uma morte que tenta “calar esse corpo que se rebela”. “O nosso maior medo é a morte da nossa voz, porque quando uma voz morre, morre uma voz ecoada coletivamente”.
A jovem Xakriabá acredita que é necessário “ocupar o espaço para além do chão da aldeia”. “Questionar é deslocar as estruturas. É importante trazer nossas pautas, mas também é importante trazer nossos corpos”, sintetiza.
“As mulheres estão preparadas. Nossa luta tem sido não só para manter nossa vida, mas nosso modo de vida”, diz.