Causa de cegueira infantil, catarata congênita é alvo de inquérito em MS
Denúncia de mãe desencadeou investigação sobre a demora no atendimento; tem espera por cirurgia desde 2019
O MPMS (Ministério Público Estadual de MS) abriu inquérito civil para reduzir a demanda por consultas e cirurgias de catarata congênita e infantil em Mato Grosso do Sul. A medida começou a partir de pedido de mulher que temia pela demora no procedimento no filho, hoje com 4 meses de idade. Sem tratamento precoce, é a forma mais grave de catarata, resultando na perda parcial ou total da visão.
O caso chegou ao MPMS por dona de casa, de 36 anos, residente no Jardim Itamaracá, que temia pela demora na cirurgia no filho, hoje, com 4 meses, e que foi diagnosticando com a doença no dia seguinte ao nascimento.
O MPMS pediu informações sobre a procura pela cirurgia congênita no Estado e, em checagem ao SISREG (Sistema de Regulação), identificou que há 41 pacientes aguardando consulta em oftalmologia catarata congênita, com a data de solicitação mais antiga de 25 de abril de 2023.
Pelo documento, dos 41 pacientes, 7 já estão aptos para cirurgia, sendo a solicitação mais antiga de janeiro de 2019, ou seja, com cinco anos. Os sete estão na lista da Santa Casa de Campo Grande.
O MPMS também pediu à Sesau documentos que comprovem quantas cirurgias foram feitas pela oftalmologista do hospital, única profissional médica habilitada pelo SUS para realizar referido procedimento em Mato Grosso do Sul. Pelo documento, a profissional realizou apenas três cirurgias de correção de catarata congênita no ano de 2023, sendo uma em fevereiro, uma em agosto e uma em dezembro.
Em depoimento prestado ao MPMS no dia 5 de março, o chefe do setor de Oftalmologia do hospital, Álvaro Hilgert, disse que desconhecia a demanda reprimida pela consulta por catarata congênita e infantil em MS. Segundo documento, ele propôs mutirão para zerar a fila de espera por avaliação médica e analisar os casos que já estejam com indicação cirúrgica.
No inquérito, o MP oficiou a SES (Secretaria Estadual de Saúde) e a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) para que adotem providências para viabilizar acesso aos pacientes às consultas, pois há informação de que há “alguns pacientes perdendo a visão sem que tenham tido oportunidade de acesso a esses procedimentos”. Também pediu à Santa Casa o número de consultas e cirurgias de catarata congênita no hospital nos últimos dois anos.
O inquérito não faz menção à conduta da profissional especialista da Santa Casa, a mesma que atendeu a dona de casa em consulta particular.
Bebê - O caso chegou inicialmente ao MPMS no dia 25 de janeiro deste ano, como “notícia de fato”, procedimento que leva ao conhecimento de órgãos o indício de práticas ilícitas ou situações que demandem atuação do ministério.
A dona de casa, residente no Jardim Itamaracá, recorreu ao MPMS e relatou que a gestão do menino, nascido no dia 14 de dezembro do ano passado, no Hospital Universitário, foi tranquila, mas que observou alteração na visão do recém-nascido. O médico que o atendeu diagnosticou a catarata congênita e indicou consultório particular de oftalmologista, especialista nesses casos.
A consulta foi marcada pelo plano do marido e realizada no dia 18 de janeiro, quando o bebê estava com pouco mais de um mês de vida. No dia 25, no retorno, a médica solicitou “lensectomia bilateral urgente, para minimizar as chances de cegueira irreversível”. Segundo relato da mulher, a médica disse que a cirurgia precisava ser feita até, no máximo, os dois meses de vida da criança, já que os riscos de cegueira aumentariam com o decorrer do tempo.
A médica informou que a cirurgia custaria R$ 50 mil. A mulher relatou que não teria condições e a profissional a orientou a procurar a Defensoria Pública para ajuizar o pedido. Segundo a denunciante, a médica entregou cartão de advogado, caso quisesse agilizar o processo.
Depois dessa consulta, a mulher procurou o MPMS, que solicitou informações da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) e Santa Casa sobre o procedimento. Teve como retorno a informação de que foi agendada consulta para dia 31 de janeiro, pelo SUS, na Santa Casa.
A criança foi atendida pela mesma médica especialista, que teria ficado surpresa em ver a mulher. Na segunda consulta, no dia 21 de fevereiro, a médica pediu exames complementares para marcar cirurgia, que ficou prevista para dia 28 daquele mês. Porém, minutos depois do agendamento, a mulher recebeu ligação da Santa Casa, informando o cancelamento, sem nova data prevista.
Na denúncia, a mulher se disse preocupada com a demora da cirurgia e, por isso, pediu encaminhamento para outro local.
A reportagem conversou com a mãe do bebê, que preferiu não se identificar. Com ajuda de uma pessoa da família, advogada, entrou com ação e, por decisão judicial, conseguiu vaga em hospital de Brasília, onde a criança foi operada, no dia 16 de abril.
A mãe está no Distrito Federal há cerca de um mês, na casa de parentes, onde deve ficar pelo menos até 8 de maio, quando o menino irá passar por mais uma consulta, possivelmente a de alta, espera a dona de casa. “Dia 9 já quero estar em casa com meu menino”, disse a dona de casa. "Espero que ninguém passe pelo que passei", desabafou.
Risco – Segundo dados da Sociedade de Pediatria de São Paulo, a catarata congênita é uma das principais responsáveis pela cegueira na infância, porém, na maioria dos casos, é prevenível e tratável.
A catarata congênita é uma doença ocular caracterizada pela opacificação parcial ou total do cristalino, que é a lente transparente do olho. Isso significa que, ao longo do tempo, o cristalino se torna mais opaco, resultando na perda parcial ou total da visão.
O glaucoma congênito e a catarata congênita com indicação cirúrgica devem ser operados antes dos três meses de vida para ter melhor resultado. É importante que se tenha previamente estabelecida a rede de referência para que a criança seja rapidamente atendida em centros oftalmológicos.
“Cataratas totais presentes ao nascimento, com baixa acentuada de visão, devem ser operadas precocemente para evitar a instalação de ambliopia [imprecisão da visão] severa e irreversível”, diz Rosa Maria Graziano, presidente do Departamento Científico de Oftalmologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
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