Cineasta terá de pagar R$ 100 mil por discurso de ódio contra índios
Curta-metragem "Matem os Outros" teve recurso público de R$ 40 mil, segundo ação protocolada pelo MPF
Decisão do TRF 3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), em atendimento a recurso do MPF (Ministério Público Federal) de Mato Grosso do Sul, condenou o cineasta Reynaldo Paes de Barros ao pagamento de R$ 100 mil por danos morais coletivos. Na decisão, ele foi considerado propagador de discurso de ódio contra a comunidade indígena Guarani-Kaiowá, por por causa da produção e veiculação de curta-metragem, intitulado “Matem os Outros”, produzido e lançado em 2014.
A sentença de segundo grau prevê que a multa deverá ser destinada ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados. Os valores de ingressos eventualmente vendidos para apresentações do filme terão o mesmo destino, conforme o Tribunal decidiu.
O filme usou recursos de R$ 40 mil do Fundo de Investimentos Culturais de Mato Grosso do Sul. Para o MPF, isso “torna ainda mais grave e reprovável a difusão de discurso de ódio e intolerância feita pelo filme, financiado com dinheiro público”.
O que é - O curta, conforme o órgão ministerial define, retrata basicamente diálogo travado entre quatro personagens, dois fazendeiros que pegam carona com um casal rumo a Sidrolândia (MS). “Durante o trajeto, expõem os sentimentos dos produtores rurais em relação aos índios, oportunidade em que são veiculados ideais preconceituosos, repletos de ódio étnico”, descreve o texto.
Nos minutos finais, na análise do MPF, a incitação à violência é escancarada. “Um dos personagens, que diz ao longo do filme ter estudado o tema em sua tese de doutorado, afirma que o quadro dos conflitos relacionados às terras indígenas – quadro chamado pelo personagem de "invasão dos índios" – vai durar até ser mudado por um “banho de sangue”
Liberdade de expressão x dignidade humana – A ação foi movida na Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, que julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de que a obra produzida pelo réu não excedeu os limites do regular exercício do direito à liberdade de expressão. Diante disso, o MPF recorreu ao TRF, pedindo reforma da sentença.
O procurador regional da República Paulo Thadeu Gomes da Silva, em seu parecer, lembrou que, embora seja um direito fundamental, a liberdade de expressão não é um direito absoluto e que o próprio ordenamento jurídico impõe alguns limites e restrições a ele. “Os diálogos e cenas construídas pelo diretor acionado violam garantias que vedam qualquer modalidade de preconceito e discriminação”, afirma o procurador.
De acordo com o raciocínio apresentado, quando a liberdade de expressão entra em conflito com outros direitos fundamentais, “deve-se equacioná-lo mediante ponderação de interesses, balizada pelo princípio da proporcionalidade”.
De acordo com o MPF, o procurador aponta, no entanto, que a dignidade é um bem “intocável, o que significa dizer que ela não pode ser objeto de ponderação com outros direitos fundamentais, devendo prevalecer o princípio da dignidade.
Acolhendo tais argumentos, a 1ª turma do TRF3, por maioria de votos, condenou o réu ao pagamento de multa por dano moral coletivo às comunidades indígenas, por propagação de discurso de ódio em seu filme.
Como a decisão é de segundo grau, ainda cabe recurso pela defesa do cineasta.