Defasagem do SUS faz Capital atender 85 vezes mais que o pactuado
Plano que orienta a quantidade de pacientes por especialidade e as referências de cada município é de 2010
A defasagem do SUS (Sistema Único de Saúde), com a falta de atualização no planejamento dos atendimentos na rede em Mato Grosso do Sul, faz Campo Grande atender até 85 vezes mais que o pactuado. O plano que orienta a quantidade de pacientes por especialidade e as referências de cada município é de 2010 e o que deveria estar em vigor desde 2020, está atrasado.
Ocorre que o Ministério da Saúde mantém com os estados e municípios a PPI (Programação Pactuada Integrada) há 12 anos e em 2020 deveria ter encerrado a migração para a nova forma de pactuação, denominada Pamac (Programação Assistencial da Média e Alta Complexidade). Esses planos determinam quantos pacientes em determinadas especialidades cada cidade deve atender ou que tipos de exames e consultas cada um estará apto a realizar.
No entanto, conforme dados da SES (Secretaria de Estado de Saúde) encaminhados ao Ministério Público de Mato Grosso do Sul, que investigava problemas na regulação de pacientes do interior para a Capital, a Pamac não foi implementada porque “foram verificadas falhas de funcionamento da ferramenta informatizada ProgramaSUS desenvolvida sob responsabilidade do Ministério da Saúde.”
Com isso, o planejamento que rege todos os atendimentos do SUS encontra-se defasado, com medições e pactuações distantes da realidade atual. Para se ter uma ideia, conforme dados do ano de 2019, antes da pandemia do novo coronavírus, nas internações de pacientes crônicos, Campo Grande atendeu 85 vezes mais que o previsto.
Isso porque o pactuado são 20 internações, mas a Capital recebeu 1.709 pacientes nesse tipo de atendimento naquele ano, contabilizando-se tanto habitantes da cidade quanto de municípios do interior da microrregião de Campo Grande, que corresponde a 17 cidades do entorno.
Em relação à macrorregião da Capital, esta corresponde a 34 municípios divididos em quatro microrregiões nas seguintes cidades e seus entornos: Aquidauana, Campo Grande, Jardim e Coxim, sendo cada um deles responsável por atendimentos em saúde de um grupo específico de municípios.
Há três anos, conforme os números, a Capital atendeu, por exemplo, seis vezes mais pacientes na especialidade de hematologia vindos de Aquidauana do que a pactuação previa: de seis encaminhamentos, foram feitos 36 e de Jardim, de oito encaminhamentos para atendimento em clínica geral, vieram 127, o mesmo que 15 vezes mais.
Por outro lado, atendimentos para os quais há cobertura acabaram não sendo utilizados, como na área de psiquiatria, por exemplo, cuja previsão de pacientes é de 99, mas muito poucos foram encaminhados para a Capital no período.
Interior – mas essa exacerbação de atendimentos também ocorre nos município que são referências em algumas especialidades, como em Aquidauana, onde a demanda prevista em atendimentos clínicos em dermatologia deveria ser de 41, mas chegou a 164; ou em Coxim, onde o pactuado são 207 atendimentos de cirurgia obstétrica, mas alcançou 471 em 2019.
Microrregiões atendidas por Campo Grande: |
Aquidauana: Anastácio, Aquidauana, Bodoquena, Dois Irmãos, Miranda e Nioaque; |
Campo Grande: Bandeirantes, Camapuã, Campo Grande, Chapadão do Sul, Corguinho, Costa Rica, Figueirão, Jaraguari, Maracaju, Nova Alvorada, Paraíso das Águas, Ribas do Rio Pardo, Rio Negro, Rochedo, São Gabriel do Oeste, Sidrolândia, Terenos; |
Coxim: Alcinópolis, Coxim, Pedro Gomes, Rio Verde, Sonora; |
Jardim: Bela Vista, Bonito, Caracol, Guia Lopes, Jardim, Porto Murtinho. |
Assim, conforme dados da SES ao MPMS, “a assistência em saúde apresenta uma dinamicidade que não nos permite precisão matemática para afirmação de cumprimento ou não de programação assistencial”, no entanto, “a defasagem temporal entre a pactuação da PPI (2010) e a análise realizada (programação 2019) pode explicar a diferença entre o programado e o realizado.”
Além disso, sustenta que o fato de que “em alguns leitos/especialidades, cumpriu-se além da programação estabelecida e em outros, não a cumpriu em sua totalidade”, sugere “a necessidade de revisão da quantidade de internações pactuadas”, mas também “à ausência de estruturas e equipes hospitalares, respectivamente”.
A secretaria aponta ainda que o cumprimento desequilibrado das demandas advém de diversos fatores, entre eles, “a capacidade instalada e recursos humanos, incorporação de novas especialidades, mudança no perfil epidemiológico, crescimento da população e atrasos no cronograma do Ministério da Saúde para efetivação da Programação Assistencial de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar (PAMAC), que substituirá o SISPPI.”
Encaminhamentos – o inquérito do MPMS que tramitou na 32ª Promotoria de Justiça encaminhou os dados obtidos ao MPF (Ministério Público Federal) para que este atue para acompanhar a implementação completa da Pamac e para cobrar a correção de possíveis falhas no ProgramaSUS.