Estudo projeta cenário de colapso nas UTIS de MS com coronavírus
Pesquisa mostra que as 4 regiões em Mato Grosso do Sul têm 352 leitos de UTI e precisam evitar contágio rápido para não colapsarem
Se ao longo de seis meses 10% da população de Mato Grosso do Sul fosse infectada com o novo coronavírus seria necessário ter quase o triplo da capacidade de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) para tratar casos graves e evitar mortes. É o que afirma pesquisa realizada pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e IESP (Instituto de Estudos Para Políticas de Saúde).
Já há considerações entre médicos e cientistas de que a população mundial terá de aprender a conviver com o novo coronavírus. É o que também levaram em conta 6 pesquisadores responsáveis pela nota técnica sobre pesquisa que analisou a capacidade do SUS (Sistema Único de Saúde) em todos os estados brasileiros.
Dessa forma, afirmam - enquanto o sistema não está preparado, equipamentos estão em falta no mundo inteiro - não há diretriz consolidada de tratamento e muito menos vacina, o único impedimento ao vírus é evitar contágio acelerado.
Pesquisa - A nota técnica chama-se “Necessidades de Infraestrutura do SUS em Preparo a COVID- 19: Leitos de UTI, Respiradores e Ocupação Hospitalar” realizada pelos pesquisadores Beatriz Rache, Rudi Rocha, Letícia Nunes, Paula Spinola, Ana Maria Malik e Adriano Massuda.
Os cientistas colheram diversos dados recentes do sistema público de saúde no Brasil, entre eles o número de leitos de UTI e de ventiladores que constavam no CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde) em janeiro de 2020. Para estabelecer o número mínimo de leitos necessários em UTI levaram em conta parâmetros da OMS (Organização Mundial de Saúde) e do Ministério da Saúde. O mínimo é 10 leitos a cada 100 mil habitantes em cenário “típico”.
Mato Grosso do Sul está em uma das 3 regiões do Brasil consideradas precárias pelos pesquisadores. Para identificar a deficiência estadual do SUS perante o novo vírus utilizaram os dados de mortalidade para doenças respiratórias infecciosas similares à Covid-19.
Falta leitos – O levantamento aponta que faltam ao menos 41 mil leitos de UTI em todo o Brasil. Em 73% das regiões do país o número de leitos é menor do que o estabelecido a cada 100 mil habitantes, que é de 10. Com os dados em mãos, a pesquisa projetou diferentes cenários de infecção nos estados levando em conta índice de 5% de pacientes graves que precisam permanecer aos cuidados de uma UTI por 5 dias.
“Mostramos que em um cenário de 20% da população infectada, e 5% dos infectados necessitando cuidados em UTI por 5 dias, 294 das 436 regiões de saúde do país ultrapassariam a taxa de ocupação de 100%. Em particular, 53% delas necessitariam ao menos o dobro de leitos-dia em relação a 2019 para tratar os casos mais críticos. Uma aceleração de 12 para 6 meses levaria todas as regiões de saúde, exceto duas, a uma lotação superior a 200%”, alertam.
Em cenário normal, além de 10 leitos para cada 100 mil habitantes, seria necessário ter 1 ventilador para cada 2 leitos de UTI.
Como está Mato Grosso do Sul? Confira abaixo:
A pesquisa mostrou que se a taxa de infecção em Mato Grosso do Sul for de 9%, o sistema atinge a capacidade máxima.
Leitos e respiradores - Mato Grosso do Sul tem apenas 4 regiões de saúde: Campo Grande, Corumbá, Dourados e Três Lagoas. Segundo a pesquisa, há mais ventiladores para ajudar pacientes graves do que leitos de UTI. Há 866 ventiladores para tratar doença respiratória e desse total, 636 estão no SUS. Campo Grande fica com a maior parte, 607, seguido de Dourados com 177, Três Lagoas com 59 e Corumbá, com 23.
O estado apresentava apenas 352 leitos de UTI até janeiro de 2020, 189 deles no SUS e 163 nos hospitais particulares. Mato Grosso do Sul tem apenas 8,5 leitos a cada 100 mil habitantes, abaixo do mínimo para cenários ideais.
Dados do SUS de 2018 indicaram que doenças similares à Covid-19 apresentaram taxa de mortalidade de 36 a cada 100 mil habitantes. Em 2019, aponta a pesquisa, a ocupação de leitos de UTI do SUS alcançava 81%.
Segundo os cientistas, se 10% da população for infectada ao longo de 1 ano, Mato Grosso do Sul precisaria ter quase o dobro de leitos. Se isso ocorrer em seis meses o cenário é ainda pior: seria uma lotação de 283% nas UTIs para tratar os doentes.
Confira os cenários projetados para cada região de saúde:
Em Corumbá, dados do CNES indicaram apenas 10 leitos de UTI em janeiro e 7 deles no SUS, além de 15 ventiladores disponíveis para os leitos públicos. A taxa de leitos ficou abaixo da média de Mato Grosso do Sul, com apenas 7,4 leitos a cada 100 mil habitantes.
Com 96% da ocupação da UTI do SUS em 2019, toda a região de Corumbá precisaria ter capacidade de 228% na UTI se 10% da população que utiliza a saúde local fosse infectada em um ano. Em seis meses seria necessário quase 4 vezes mais leitos. Nessa região os pesquisadores levaram em conta que 134.766 pessoas precisam do sistema de saúde local, conforme estimativa de população do IBGE.
Na região de saúde de Corumbá, 9% de infectados indicaria ocupação de todos os leitos de UTI disponíveis. Na região de saúde de Três Lagoas os números assustam ainda mais. A pesquisa projeta cenário em que se 10% da população for infectada em seis meses a superlotação seria de 465%.
Campo Grande - Em Campo Grande, se 10% forem infectados em apenas seis meses, a Capital assistiria uma lotação de 262%. Ainda que leve seis meses para infectar apenas 1% da população que utiliza hospitais como Regional e Santa Casa já seria necessário utilizar a capacidade máxima da UTI, segundo a pesquisa.
É possível abaixar a curva – Se o contágio ocorrer em tempo mais lento, estimam os cientistas, Mato Grosso do Sul pode lidar melhor com a doença. Além de diminuir a pressão sobre os hospitais, a pandemia dá tempo para que o estado melhore a capacidade do sistema público. Se apenas 1% da população for infectada ao longo de um ano ainda seria necessário 92% da capacidade de ocupação das UTIs em Mato Grosso do Sul.
Cenário não é bom – O Campo Grande News conversou com 2 pesquisadores do grupo. A economista Beatriz Rache é especializada em economia da saúde no IESP. Formada Economia pela PUC-Rio e mestre em Economia pela Columbia University em Nova York, ela acredita que os dados ainda são “otimistas”. A subnotificação dos casos é um dos motivos.
“Se 5% forem infectados já faz uma pressão, no fundo a gente nunca vai saber verdadeiramente qual proporção da população está infectada. Existem menos de 15 mil leitos, mesmo com os hospitais de campanha o déficit é enorme. Leito de UTI precisa de uma série de equipamentos. O que mais faz diferença é você diminuir a porcentagem de pessoas contagiadas”, comenta.
Professor da FGV, o médico Adriano Massuda foi consultor da Organização Pan-americana de Saúde e é pesquisador-visitante no Departamento de Saúde Global e Populações da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Adriano relata que o ideal seria mapear completamente o perfil da população de cada localidade e fazer um diagnóstico em massa. Isso, no Brasil, diz ele, é quase impossível. O especialista defende que a quarentena é a única maneira de fazer com que o contágio não seja rápido.
“Essas medidas vão depender da situação epidemiológica. O que as evidências demonstram é que quanto antes você implementar as medidas de distanciamento e isolamento antes de um processo de transmissão comunitária, melhora o resultado. Todos que esperaram para ter transmissão comunitária não conseguiram segurar a pressão que acaba vindo para o sistema com os quadros graves”, explicou.
O médico afirma que além do quadro respiratório, pouco tem se falado da forma como o novo coronavírus provoca quadro inflamatório sistêmico grave. “Os pacientes evoluem rápido para insuficiência renal, precisa de hemodiálise. A gente vê muito a parte respiratória porque o dano que provoca nos pulmões exige ventilação mecânica, mas o que se observa é que os quadros que ficam internados precisam de outros cuidados”, alerta.
Gente que morre é perda econômica – O médico critica a resistência em aplicar a quarentena total. “Não é efetivo se você segura pouco tempo e depois já volta a circular. Tem experiência no mundo onde se fez isso e porque no Brasil vai ser diferente? Contraria todas as evidências científicas mundiais, todas as recomendações, nenhum país adotou essas recomendações de fazer isolamento vertical. Isso sem dúvida pode ser uma das causas para se ter uma explosão de casos”, comenta.
“A gente precisa precisa radicalizar mais pela nossa dificuldade de fazer diagnóstico. A crise sanitária que vai ter vai provocar uma crise social tremenda, vai atrapalhar ainda mais a recuperação econômica. Gente que morre é perda econômica também”, concluiu.