“Eu tô sobrevivendo”, diz pai de criança de 2 anos assassinada pelo padrasto
O pai da criança e o companheiro falam da pequena no tempo presente
“Eu tô sobrevivendo, meu coração está despedaçado, cada dia estou pegando um caquinho”. O relato revela a dor que Jean Carlos Ocampos, técnico de enfermagem de 28 anos, sente desde a noite de quinta-feira, quando soube que a filha de 2 anos e 7 meses havia morrido. A ex-mulher, Stepanhie de Jesus da Silva, e o atual marido dela, Christian Campoçano Leithein, foram presos em flagrante e tiveram a prisão convertida em preventiva pela Justiça.
O atestado de óbito da menina apontou que ela sofreu lesão na cervical e rompimento nos pulmões. Constou no documento que a criança sofreu investida contundente contra seu pequeno corpo. Há ainda a suspeita de violência sexual. Profissional de saúde, o pai acredita na hipótese por ter sido informado de ferimentos que a criança tinha no corpo.
Os relatos de Jean e seu companheiro, Igor de Andrade, são comoventes. “Ela foi e é a luz do nosso lar. Antes era cinza, ela trouxe vida”, diz Andrade. O casal o tempo todo fala da filha no presente. Ambos fizeram tatuagens em homenagem à ela.
Os dois contam que, desde a morte, não conseguem voltar à casa, na saída para Três Lagoas. Estão hospedados na casa da mãe de Andrade, no mesmo bairro. Eles revelam que a casa é um arquivo de memórias, criando uma sensação desesperadora de enfrentar neste momento.
Ocampos trabalha em hospital e o companheiro em uma clínica. Eles organizavam a rotina e conseguiam ficar com a criança por vários dias, uma vez que ela ainda não tinha idade escolar. Tinham permanecido com ela poucos dias antes da morte. Quem tinha a guarda era Stephanie, que mora na saída para Rochedinho.
Na hora de ir pra casa, sempre surgia um choro, conta Ocampos. Ele relata que, então, dizia que a levaria para a casa da avó, tentando acalmá-la. O sono era inquieto, com soluços, como se ela chorasse dormindo, contam. Para se sentir segura, o colo do pai era onde ela se aninhava e conseguia dormir bem. A foto dessa cena está na memória e no celular de Ocampos.
Ele sabe o difícil desafio que terá que levar pela vida, de lidar com a perda de uma filha tão pequena, de forma tão trágica. “Tem hora que alivia, tem hora que dói. Não tenho fome, não tenho vontade de comer, de sair, de nada”. Ele conversou com a reportagem no escritório da advogada Janice Andrade, que um dia cruzou com a criança e o casal no saguão da Depac (Delegacia de Pronto Atendimento da Criança e do Adolescente). Na ocasião, ela estava com a perna quebrada. Era a segunda vez que eles iam à delegacia pedir apuração de violência contra a criança.
Ocampos e Stephanie viveram uma história de cerca de oito anos, dois deles casados. Eles se separaram quando ela estava grávida e ele iniciou o novo relacionamento. Logo depois, ela se envolveu com Leithein e eles têm um bebê. Com o casal vivia ainda um menino de 6 anos, filho dele.
Na sexta-feira, a polícia esteve na casa e encontrou um ambiente de muita desordem. Ocampos já tinha ido ao Conselho Tutelar pedir ajuda diante de suas suspeitas de que a filha sofria agressão. Até uma ocorrência de maus-tratos a um animal de estimação chegou à polícia e gerou um boletim de ocorrência, ele levou a informação ao Conselho da região norte. Segundo ele, a ex-sogra relatou que a família criava um gato e quando o animal morreu ela precisou ir à casa retirar o bicho dias depois.
Ocampos disse que nunca teve contato com o padrasto da filha, viu-o somente uma vez ao buscar a criança. Em relação à Stephanie, ele conta que sempre precisou organizar a rotina doméstica e também cozinhar nos intervalos entre seus trabalhos. Ele observa que a ex sabia da gravidade de tudo, porque fez parte do curso de fisioterapia.
Conforme as informações recebidas, a suspeita é que a criança teria morrido na noite de quinta-feira, sendo levada para o posto de saúde do Bairro Coronel Antonino somente na tarde de sexta-feira, onde os profissionais de saúde acionaram a Polícia.
Quando os dois foram avisados e chegaram ao posto, já havia policiais para levar Stephanie. O casal foi orientado pelos profissionais de saúde, que também choraram diante da tragédia, segundo os dois.
Casal homoafetivo - Tanto Ocampos quanto o companheiro acreditam que encontraram obstáculos nas vezes em que foram atrás de socorro pelo fato de serem um casal homoafetivo. Eles pediram ajuda no Conselho Tutelar, duas vezes na Polícia Civil, foram à Defensoria Pública para tentar pedir a guarda. O primeiro boletim, registrado como maus-tratos e, por ser enquadrado como crime menos grave, acabou arquivado em juízo sem que Stephanie tivesse sido ouvida. Houve segundo boletim, registrado no fim de novembro e encaminhado à Justiça, mas sem andamento.
Os dois lembram de alguns episódios, como quando disseram que, juntos, dois homens não conseguiriam a guarda, ou mesmo que se fosse o oposto, a mãe acusando-os, os dois estariam presos.
Agora, Ocampos diz que espera que as pessoas vejam a filha ao olharem para ele. Diz que vai se empenhar para que haja justiça para o caso e que a morte da filha possa servir de alerta para que outras vidas de crianças sejam salvas.
*O Campo Grande News deixa de informar o nome e a imagem da criança em atenção ao Estatuto da Criança e do Adolescente.