Justiça suspende "aposentadoria" de militar trans que atuou em Ladário
Medida suspende reforma compulsória até que nova perícia de saúde seja feita na sargento da Marinha
Está suspensa, por decisão liminar da 33ª Vara Federal do Rio de Janeiro, a reforma da sargento da Marinha, Alice Costa. Temporariamente, a medida altera o status de aposentada da militar.
RESUMO
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A sargento da Marinha Alice Costa, mulher trans, teve sua reforma compulsória suspensa por decisão liminar após três anos de afastamento, período em que recebeu diagnósticos de transtornos de ansiedade e depressão. Sua advogada alega transfobia institucional da Marinha, argumentando que os afastamentos são artifícios para evitar a permanência de militares trans na ativa. Uma nova perícia judicial definirá se Alice pode retornar ao serviço ativo, com a possibilidade de mais 20 anos de carreira caso seja considerada apta.
"Foi recebida por ela a notícia da decisão liminar no mês passado, com grande alegria e satisfação. Agora, vamos lutar para que seja considerada apta pela perícia para retornar ao serviço militar ativo", fala a advogada Bianca Figueira Santos, que representa Alice em processo contra a Marinha do Brasil.
Alice tem 34 anos, é uma mulher trans e atuava em Ladário, no interior de Mato Grosso do Sul, quando conquistou judicialmente o direito de usar farda militar, cabelos e nome social femininos. Isso ocorreu em julho de 2021.
"Foi uma grande satisfação, felicidade, vitória. Ela estava comemorando muito. A Marinha, então, envia uma equipe do Rio de Janeiro para Ladário, que faz uma inspeção de saúde e afasta a Alice em agosto de 2021", continua Bianca.
Uma saga começa, com a sargento passando por perícia militar que seguiu o entendimento da inspeção de saúde. Bianca relata que entre os diagnósticos que recebeu a cada vez que era examinada, estão transtorno de ansiedade e depressão. "Assim, foram dando afastamentos consecutivos, reiterados, esse tempo todo. Já se passaram três anos", diz a advogada.
Em paralelo, a sargento foi transferida para servir em um hospital da Marinha no Rio. Lá, procurou atendimento público pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) que atestasse suas atuais condições de saúde. Segundo a representante de Alice, os médicos psiquiatras que hoje a acompanham a cada 15 dias, afirmam que a militar está em condições de voltar ao serviço.
"Os médicos falam: 'você está bem, está apta, está estável, está lúcida. O trabalho até proporcionaria melhores condições de saúde para você não ficar parada em casa sem fazer nada", relata Bianca.
Após os três anos de afastamento, a Marinha adotou regra do regimento que aposenta o militar compulsoriamente. A portaria que autoriza a reforma foi publicada em novembro deste ano.
Efeitos da suspensão - A advogada explica que a decisão liminar suspende os efeitos da portaria publicada no mês passado, até o desenrolar do processo. Uma nova perícia a mando da Justiça terá que ser feita para atestar se Alice tem condições ou não de voltar ao posto e ser desaposentada.
Enquanto isso, a Marinha terá a opção de entrar com recurso e tentar reverter a decisão liminar que suspende a reforma.
A medida também melhora o salário da sargento, que estava recebendo como aposentada por tempo de serviço. Ela volta a ser remunerada como militar afastada.
Se for considerada apta a retornar ao trabalho, Alice terá cerca de 20 anos de trabalho militar pela frente antes de ser aposentada.
Outros casos - A representante de Alice advoga em outros dois casos parecidos. Em comum, ela vê que os três revelam "uma transfobia institucional" e que a Marinha tem adotado os afastamentos como "artifícios para não manter na ativa militares trans".
"A Marinha não admite, mas a gente sabe, claramente, que se trata de uma transfobia institucional. Tem o caso da Nicole aqui no Rio de Janeiro e da cabo Alanis também", cita.
Julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal), em 2019, decidiu que condutas de transfobia e homofobia são consideradas crimes e espécies do gênero racismo. "Antes disso, eles podiam afastar. Agora, eles inventam um monte de coisa: transtorno misto de ansiedade e depressão, transtorno de personalidade", relaciona Bianca.
A Marinha - A reportagem questionou se a assessoria de imprensa da Marinha irá se posicionar sobre o caso de Alice. Não houve retorno até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto.
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