O coronavírus mudou tudo, até o sentido do trabalho para quem nunca pode parar
Para trabalhadores que tiveram de continuar nas ruas, a rotina sacrifica, mas também emociona
Uma das frases que mais ouvimos nos últimos tempos é: "Se puder, fique em casa". Além de um bom conselho, a recomendação revelou uma legião de trabalhadores que nunca pode se afastar das ruas.
Neste 1º de Maio, percebemos que o coronavírus mudou tudo e exigiu muito mais de pessoas que até então nunca haviam percebido o que é ser essencial.
Para esses profissionais, que não têm a escolha de ficar em casa ou experimentar novas maneira de trabalho, como o home office, a covid-19 impôs uma rotina que sacrifica, mas também emociona.
Entregando o que falta - Pai de quatro filhos, aos 37 anos, o moto entregador Marcelo Leandro dos Santos morre de medo de pegar a covid-19 e passar para os filhos. Mas ele escolheu trabalhar, e sim, num serviço que já é arriscado por ser no trânsito, mas em momento de pandemia, torna-se ainda mais perigoso.
“É difícil! Querendo ou não, a gente não passa muito tempo com eles, mas se não corrermos esse risco nas ruas, passamos necessidade”, avalia, ao comentar que trabalha 12 horas por dia em aplicativo de entrega e sabe que pode chegar em casa e contaminar a família.
Apesar disso, ele garante que toma todos os cuidados possíveis usando máscara, luva e passando álcool em gel antes e depois de cada entrega que realiza.
“Tenho tomado cuidado e o próprio aplicativo orienta a gente a usar álcool, máscara e a deixar a entrega em local onde o cliente possa pegar, para não ter contato pessoal. Mas mesmo assim, muita gente não segue essas orientações”, revela.
Para ele, o que essa pandemia mais ensinou até o momento, foi que a profissão que ele segue há dois anos, e que muitas vezes o obriga a comer mal para poder atender mais pessoas, é importante e sente o agradecimento muito mais agora, durante a pandemia, do que antes.
“Foi tudo inesperado, mas achei muito legal. As pessoas que fazem os pedidos, reconhecem a gente, inclusive as gorjetas aumentaram nesse período. Além disso, tem o reconhecimento com agradecimentos. As pessoas falam obrigada por eu estar me arriscando para entregar as coisas para elas”, comemora.
Ele acredita, que muitas pessoas, “sem a gente, não teriam nada por não conseguirem sair de casa” e acrescenta que neste Dia do Trabalhador vai estar nas ruas mais uma vez, principalmente porque “por ser feriado, acho que vai haver mais pedidos”.
Orientando nas ruas – A experiência de estar na linha de frente dos mais diversos tipos de ações, já é comum para Anderson Francisco Pretes Ortigoza, que é guarda municipal. No entanto, ele acredita que neste momento de pandemia, o trabalho que realiza com seus colegas, é ainda mais relevante.
Há dez anos na profissão, o GM diz que seja no carnaval, no combate à dengue ou ao acompanhar manifestações e festas, a guarda está presente, mas que o combate ao covid-19 “é tipo um período de guerra, e estamos participando pra não permitir que os números (de casos) aumentem”, revela, satisfeito.
“Temos trabalhado diuturnamente, mas tem sido gratificante. Vemos o resultado do nosso trabalho e prova disso é o número baixo de casos. É um resultado positivo, que surte efeito”, comemora.
Além disso, a população tem demonstrado apoio e agradece a presença deles nas ruas. “Muitas vezes, quem está na rua quando a gente passa, pede desculpas por não estarem em casa ou então pedem a proteção de Deus sobre nós. Uma vez, teve uma senhora que disse que sempre orava pela gente. Isso nos motiva”, afirma.
Mas como tudo tem seu lado penoso, para o guarda não seria diferente. Além do risco de ser contaminado e levar a covid-19 pra dentro de casa, há ainda a dor da distância. “Meu filho de 5 anos fica na porta de casa e pede pra eu não sair. Ele fala: você já trabalhou de dia pai, vai à noite também?”.
Como o trabalho tem sido mesmo constante, Ortigoza fala que o filho, aos poucos, está se acostumando, até porque o ritmo aumentou com a pandemia. “Mas amanhã estou de folga e vou ficar em casa com a família”, se alegra.
Garantindo o alimento – Da Venezuela para Campo Grande, Julnelly del Rosario Colmenares Hincapie, 37 anos, fugiu de uma crise em seu país de origem e agora enfrenta outra no Brasil. Entretanto, ela afirma que aqui está bem menos penoso.
Operadora de caixa de uma rede de atacadistas da Capital, Julnelly conseguiu o emprego há dez meses e com ele, sustenta os quatro filhos de 15, 14, 12 e 11 anos de idade. Antes, ela era artesã autônoma.
Sobre as mudanças no trabalho com a pandemia, ela não titubeia. “Mudou mesmo, são outros hábitos, mas se nós fechássemos, os problemas seriam maiores”, avalia.
Para ela, o serviço dela é essencial porque ajuda as pessoas a conseguirem o que precisam para suas casas e se não fosse isso, “se os mercados fechassem, a aglomeração ia ser muito maior, seria humilhante, como tem sido com esse pagamento do auxílio emergencial”, compara.
Sobre a alegria em atender as pessoas, ela afirma que o mais gostoso é receber o agradecimento dos clientes e que “eu gosto de conhecer pessoas, lidar com gente, há muitas pessoas boas aqui, tanto clientes quanto funcionários”, diz.
Além disso, ela afirma que conhecer mais da cultura do Brasil também é uma das alegrias que ela tem em seu serviço.
Já sobre o risco de se contaminar e levar a doença para casa, ela diz que “faz parte”, mas que tem tomado todos os cuidados possíveis e que o próprio local de trabalho orienta sobre o que fazer. “Passamos álcool em gel de meia em meia hora, sempre com máscara e luva”.
Transportando vidas – Há 23 anos, Sidnei Magno Pereira, de 42, dirige pelas ruas de Campo Grande nos ônibus coletivos. Com a pandemia, seu trabalho mudou bastante, e assim como os demais trabalhadores, ele teme contaminar a família caso também seja infectado.
“Juntos a gente se apoia. Me apego em Deus e em minha família. Tenho medo de levar o vírus pra dentro de casa, nunca passei por uma situação parecida”, comenta, ao falar que tem um filho de 5 anos de idade.
Os agradecimentos que recebe pelo serviço prestado, para ele, também são gratificantes. “Pelo menos 70% dos passageiros agradecem a gente e reconhecem que a gente está na linha de frente, desejam bom dia, bom trabalho e sempre seguido de um Deus te abençoe”, enumera.
No Dia do Trabalhador ele estará trabalhando e diz que se sente privilegiado por isso. “Enquanto tantas empresas demitem ou suspendem contrato, graças a Deus eu tenho oportunidade de continuar trabalhando”, afirma, ressaltando que “levo sempre um sorriso no rosto, porque estamos transportando vidas e temos que transmitir segurança para que o cliente chegue bem ao seu destino”.
Amar e cuidar de pessoas – Chamados ultimamente de heróis por estarem todos os dias atendendo aqueles que estão infectados com a covid-19, os profissionais de saúde não se sentem tão heróis assim, e garantem que a pandemia está ensinando muito, não apenas sobre o novo coronavírus, mas sobre amor ao próximo.
Gláucia Villany, de 45 anos é enfermeira há 11 anos e conta que a pandemia mudou sua rotina, tanto no trabalho quanto emocional. “Nosso trabalho é essencial. Eu digo que como os professores, somos tão importantes quanto e neste momento, mesmo que muitos duvidem, estamos vivendo um caos, e vemos pacientes literalmente surtando porque está infectado e explicamos que isso não é condenação à morte e temos que lidar com isso”.
Por causa de experiências assim, Gláucia teve a ideia de desenhar um sorriso em sua máscara para mostrar aos pacientes “que atrás de todo esse aparato, tem um ser humano”. O aparato são os equipamentos de proteção utilizados, como máscaras e óculos.
Essa atitude repercutiu nas redes sociais e para ela, é isso que conta. “Nos tornamos mais humanos nessa pandemia. A gente vê o próximo com mais carinho. Tem o isolamento, mas nos aproximamos na empatia e foi o que quis passar com o sorriso na máscara, trazer alegria pra toda essa situação”.
O médico Renato Figueiredo, 42 anos, é plantonista do HRMS (Hospital Regional Rosa Pedrossian), referência no atendimento dos casos do novo coronavírus na Capital e afirma. “Não somos heróis, estamos fazendo o que sempre fizemos, nos colocando em risco para salvar quem pudermos”, diz.
Para ele, o maior desafio da pandemia, é atender os pacientes e não ter um tratamento adequado para dar a eles. “Temos o protocolo a seguir, mas a doença é nova e sem um tratamento específico e isso nos deixa com uma carga emocional pesada”, avalia.
O uso dos equipamentos de proteção também mudaram a rotina e ele não pode mais trabalhar no PAM (Pronto Atendimento Médico) do HRMS se não estiver todo paramentado.
Junto a isso, ele soma o distanciamento da família, já que há quase dois meses não visita a mãe de 70 anos e quando vê a filha, de 1 ano, é sem tantos abraços e beijos. “Essa doença tem uma alta transmissibilidade e infelizmente a gente precisa evitar o contato para que eles não se contaminem”.
Sobre o fato de serem heróis, ele diz que em outras situações ou doenças, há perigo semelhante, e eles vão e se arriscam. “Nossa atuação é sempre dessa forma, sempre em risco, neste caso é um pouco especial por causa do contágio rápido, mas a gente sempre atuou assim”, pondera.
Sobre trabalhar no Dia do Trabalhador, ele afirma que já é normal e que, como sempre, “nossa preocupação é fazer o melhor possível para atender nossos pacientes, oferecendo o melhor tratamento e claro, proteger nossos contatos mais próximos”.