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Cidades

Políticos de MS são recordistas em fazendas em territórios indígenas

Relatório aponta que 42 políticos brasileiros e parentes são donos de fazendas reinvindicadas, 17 de MS

Mylena Fraiha | 16/06/2023 10:04
Cortejo fúnebre de Vitor Fernandes, morto pela Polícia Militar durante desocupação em junho de 2022 (Foto: Helio de Freitas)
Cortejo fúnebre de Vitor Fernandes, morto pela Polícia Militar durante desocupação em junho de 2022 (Foto: Helio de Freitas)

Mato Grosso do Sul lidera a lista com 17 casos de fazendas que estão em terras que são cobradas pelos indígenas. Em seguida, aparecem Mato Grosso e Maranhão, com sete, cada. A segunda parte do dossiê elaborado pelo observatório De Olho nos Ruralistas e lançado na noite de quarta-feira (14) aponta que 42 políticos brasileiros e seus familiares de primeiro grau são titulares de fazendas que ficam dentro de terras indígenas, "roubadas" ou "griladas", conforme argumentam as lideranças indígenas.

Durante o Abril Indígena, mês dedicado às lutas indígenas no Brasil, foi divulgada a primeira parte do relatório. O documento revelou a identificação de 1.692 "sobreposições" de terras, aquelas que teriam sido tomadas das comunidades tradicionais. Agora, é destacada a porção atribuída a clãs políticos.

O observatório detectou terras com sobreposição a partir da análise de dados fundiários do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), mais especificamente, das bases do Sigef (Sistema de Gestão Fundiária), do SNCR (Sistema Nacional de Cadastro Rural) e do SNCI (Sistema Nacional de Certificação de Imóveis).

Posicionamento - O Campo Grande News entrou em contato com os políticos, ex-políticos e envolvidos com a política ruralista de Mato Grosso do Sul que tiveram seus nomes e de familiares citados no relatório.

Um dos citados é o ex-deputado e secretário da Fazenda durante o governo de Wilson Martins, Ricardo Bacha (Cidadania), que possui uma propriedade que abrange 536 hectares da Terra Indígena Buriti, na região de Sidrolândia, a 71 km da Capital.

Questionado se sabia sobre o relatório que investiga políticos com áreas sobrepostas a terras tradicionais, ele nega ter qualquer poder político atualmente. "Eu fui deputado, há muitos anos atrás. Não tenho mais poder político, mas se quiserem me classificar assim, não posso fazer nada”, comenta.

Em maio de 2013, um grupo de indígenas resistiu à reintegração. Foram cerca de 8 horas de conflito na fazenda e o indígena Oziel Gabriel, de 35 anos, foi morto durante desocupação da propriedade. Outros cinco terenas ficaram feridos, quatro homens e uma mulher. Em contrapartida, os terenas atearam fogo na sede da fazenda Buriti, ao saberem da chegada de policiais no local.

Na casa da família na aldeia Córrego do Meio, fica a lembrança na parede da casa simples (Foto: Arquivo)
Na casa da família na aldeia Córrego do Meio, fica a lembrança na parede da casa simples (Foto: Arquivo)

Segundo Ricardo, sua terra foi comprada em 1927 pelo seu avô. Hoje, por lei, se a União quiser reaver uma área privada para entregá-la a comunidades indígenas, não pode pagar por isso. A única possibilidade de indenização prevista é nos casos de benfeitorias. Entretanto, Bacha espera que o governo resolva a questão e pague pelas terras. “Se o Governo quiser a terra, nós estamos abertos a vender. Agora, se o Governo quiser dá-las aos indígenas, é uma decisão por parte deles. A terra é da União”.

Outro político citado foi Pedro Pedrossian Neto (PSD), que afirma não possuir nenhuma propriedade em seu nome e que somente seus familiares possuem terras, como a Fazenda Petrópolis, que está em nome de seu tio e a Fazenda Paratudal, a qual, segundo dados do relatório, sobrepõe parte da Terra Indígena Cachoeirinha, localizada próxima ao município de Miranda.

Segundo ele, as fazendas estão demarcadas desde 1904, pelo Marechal Rondon, mas que um novo estudo antropológico resultou em uma portaria que criou um grupo de trabalho, que busca a ampliação da propriedade.

Após esse incidente, ele relata que sua família contratou antropólogos para estudar a história da terra. “Após o estudo, vimos que em 1897, há muito tempo no passado, aquela terra foi concedida pelo Império, a uma outra família. Tinham mais de dez donos antes da gente. Nós compramos por boa fé e agora temos que pagar por um crime que ocorreu em 1897”.

Para ele, o conflito deve ser resolvido de “forma mansa e pacífica” e que é preciso parar de tratar a questão de forma maniqueísta. “Nós não somos inimigos dos indígenas. Somos contra esse conflito. Queremos uma solução equilibrada, tanto para nós produtores quanto para os indígenas”, afirma.

O vice-prefeito de Iguatemi, município a 466 km da Capital, José Roberto Arcoverde (MDB) também é citado no relatório, uma vez que sua família tem a posse de quase 2 mil hectares que se sobrepõem à Terra Indígena Iguatemipeguá I, habitada pelo povo guarani kaiowá na região de Iguatemi.

De acordo com José, nunca existiu uma relação entre sua atuação política e a posse da terra de sua família. Ele afirma que seu pai adquiriu a área em 1968 de antigos donos. “Meu pai é médico e comprou em 1968. Nós herdamos após a morte dele, eu tenho uma quarta parte. Essa relação entre a política e a propriedade da terra nunca existiu”.

Para ele, o Governo Federal é responsável por encontrar uma saída que favoreça ambas as partes. “Se houver uma necessidade de reaver essa terra, queremos que o Governo faça uma indenização justa. Agora dizer se é muito terra ou pouca, não diz respeito a nós. Queremos que o governo faça isso. Como proprietários só queremos que possamos receber o valor devido”.

A advogada Luana Ruiz, que foi candidata a deputada federal em 2022 pelo PL (Partido Liberal), também é citada no relatório. De acordo com o compilado, sua família ocupa área da terra indígena Ñande Ru Marangatu, em Antônio João, a 297 km da Capital.

Questionada sobre a relação de sua carreira política e o conflito agrário que sua família enfrenta com os indígenas guarani-kaiowás, ela afirma que “não possuem relação”, porque, segundo ela, o problema existe desde sua infância. “A minha carreira política e o problema agrário que minha família enfrenta não possuem relação. Esse problema já existe há 25 anos”, afirma Luana.

Mulher indígena chora em velório do indígena Simeão Vilhalva, morto em conflito agrário em Antonio João (Foto: Arquivo)
Mulher indígena chora em velório do indígena Simeão Vilhalva, morto em conflito agrário em Antonio João (Foto: Arquivo)

Em 29 de agosto de 2015, um conflito nas fazendas Barra e Fronteira, que resultou na morte do indígena Simeão Vilhalva, de 24 anos. De acordo com o relatório, a propriedade pertence a um familiar de Roseli Maria Ruiz, mãe de Luana.

A reportagem do Campo Grande News entrou em contato com outros citados no relatório, como a senadora Tereza Cristina (PP) e o deputado estadual José Roberto Teixeira, mais conhecido como Zé Teixeira (DEM), mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria. O espaço continua aberto.

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