Psicopatas: assassinos em série fizeram pelo menos 3 dezenas de vítimas em MS
O mais antigo é Osvaldo de Paula Silva, o “Buickinho”, que foi condenado à revelia, em 2009
Serial killer, ou assassino em série, em bom português, é termo relativamente recente na crônica policial em Mato Grosso do Sul, embora tenha sido cunhado na década de 1970 nos Estados Unidos, para definir tipo específico de criminoso, capaz de matar pessoas seguindo um padrão, e que só para quando é encarcerado, ou abatido. Por aqui, a expressão tomou as manchetes no fim da década de 2000, apesar de já haver registro de personagem com essas características desde 1986.
Não há estatística oficial sobre o tema. A memória a respeito levantada pelo Campo Grande News identificou os criminosos dos quais se tem registro nas últimas décadas. Eles são poucos, apenas quatro, mas as histórias impressionam. Juntos, mataram, segundo se conhece, mais de três dezenas de pessoas. São 33 vidas que se foram pelas mãos desses assassinos em série.
1986 - O caso mais antigo é Osvaldo de Paula Silva, o “Buickinho”, que foi condenado à revelia, em 2009, a pena próxima de 100 anos, por série de assassinatos cometidos no fim de 1986, em Ribas do Rio Pardo, quando tirou a vida de seis pessoas e enterrou os corpos.
Restos mortais de quatro vítimas foram desenterrados dois meses depois de sumirem, durante viagem de férias de fim de ano. Um cadáver só foi achado um ano depois. “Buickinho” também estuprou e matou um menino de 11 anos, em maio daquele ano, na Vila Piratininga, em Campo Grande. Era procurado, ainda, por cinco mortes em Minas Gerais, durante “surtos”, segundo descrito no processo contra ele.
Demorou tanto para ser julgado porque quando os assassinatos aconteceram, era obrigatório notificar o réu pessoalmente. Com a mudança na lei, 20 atrás, aconteceu o júri. “Buickinho”, apelo em referência ao veículo Buick, nunca foi localizado para cumprir as penas imposta pela Justiça de Mato Grosso do Sul. As manchetes da época se referem ao caso como “Chacina da Pena Verde”.
Nascido em Ponte Nova (MG), chegou a ficar em unidades de internação de adolescentes e em manicômio judiciário.
Laudo psiquiátrico identificou que ele não tinha doença mental. Cometia os crimes conscientemente, além de falar com frieza deles, conforme a avaliação psiquiátrica. Sua personalidade foi taxada como psicopática, com baixo limite para frustrações. A conclusão é de que teria de ficar preso em penitenciária, dado o risco que representava. Hoje, teria 70 anos.
2008 – Neste ano, o termo serial killer foi repetido à exaustão em Mato Grosso do Sul, quando Dyonathan Celestrino, aos 16 anos, foi capturado por assassinar três pessoas, entre junho e agosto. Havia um padrão macabro, os corpos eram colocados em forma de cruz. Morreram um alcoólatra, uma lésbica e uma adolescente que não seria mais virgem. O “Maníaco da Cruz”, segundo demonstrou a quebra de sigilo virtual na época, considerava as vítimas indignas de viver por não seguirem os “preceitos de Deus”. No falecido Orkut, se intitulava Dog Hell 666.
Celestrino já cumpriu a internação determinada, por ser adolescente, mas segue no Instituto Penal de Campo Grande, em cela individual.
A Justiça não autoriza a saída dele, em razão dos exames psiquiátricos feitos, que contraindicam sua volta ao convívio social. Diagnosticado com “transtorno de personalidade antissocial”, o comportamento dele fora dos muros de um presídio é considerado imprevisível.
Os relatórios de acompanhamento indicam “ausência de contato visual” e de conversas nas consultas, além de eventuais recusas até de ver a médica. Cumpre rotina de trabalho e de estudos na prisão, com bom comportamento relatado em seu processo de execução penal, ainda que ele já tenha fugido da, em 2013, em Ponta Porã, e seja considerado paciente complexo da psiquiatria.
2016 – Após um ano e sete meses de rotina de júris marcada por escândalos, gritos e choro, chegaram ao fim, no dia 13 de março deste ano, os julgamentos de Luiz Alves Martins Filho, o “Nando”, considerado o pior serial killer de Mato Grosso do Sul, com penas somadas em mais de 175 anos de prisão. Ele foi condenado por 16 mortes, descobertas no final de 2016, através de investigação conjunto entre Deaij (Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e Juventudes) e DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio).
“Nando”, segundo foi constatado, liderou “grupo de extermínio” no Bairro Danúbio Azul. Os alvos eram usuários de drogas, pobres, enquadrados em situação de vulnerabilidade social. A investigação levou as equipes até um “cemitério clandestino” no Jardim Veraneio, usado pelo grupo para matar e enterrar os corpos.
As vítimas eram estranguladas com uma correia de máquina de lavar roupa e deixadas de cabeça para baixo nas covas. Foram dias de escavação na área para localizar as ossadas.
Preso, “Nando” apontou o local em que enterrou várias vítimas, deu detalhes dos casos, confessou os assassinatos e se intitulou “justiceiro” do bairro. Disse matar “apenas” quem cometia furtos e roubos na região. Ao ser levado ao tribunal, mudou completamente os depoimentos.
Nas quinze vezes que foi a júri, alegou tortura na delegacia para confessar os crimes e atribuiu os assassinatos ao ex-amante, conhecido como “Vasco”.
Durante os primeiros depoimentos, “Nando” passava por tratamento de tuberculose e por isso falou por videoconferência. Quando começou ir até o plenário do Tribunal do Júri, protagonizou escândalos, surtos e gritos. Diante da agressividade, voltou a acompanhar seu próprio julgamento do presídio, por videoconferência. Ele cumpre pena no mesmo presídio onde está o “Maníaco da Cruz” e, assim como ele, foi avaliado como portador de transtorno de personalidade antissocial, o nome da ciência para a psicopatia.
2020 – No 15 de maio deste ano, a investigação policial que começou no dia 7, quando foi encontrado debaixo da terra o cadáver de comerciante que morava sozinho na Vila Nasser, prendeu e revelou a existência de assassino em série responsável por tirar a vida de sete pessoas, segundo confissões feitas ao longo de 24 horas.
Além de matar a pauladas, Cleber de Souza Carvalho, de 43 anos, o “Pedreiro Assassino”, enterrava os corpos e se apossava de bens de seus alvos.
No primeiro caso descoberto, chegou a ir morar na casa da vítima, junto com a mulher e a filha. Chamou amigos e parentes para conhecer o lugar. Fugiu quando familiares do comerciante José Leonel Ferreira dos Santos, baiano de 61 anos radicado em Campo Grande havia vários anos, decidiram procurá-lo. Mentiu que havia alugado o imóvel por três meses e o dono viajado.
As mulheres foram presas e ele, quando capturado, confessou primeiro quatro mortes, depois mais duas, entre uma sexta-feira e um sábado. De forma precisa, indicou os lugares onde os corpos estavam. Aparentemente calmo, ajudou até mesmo na escavação.
O “Pedreiro Assassino” está preso preventivamente, em cela do Cepol (Centro Integrado de Polícia Especializada), onde fica a DEH, responsável pelos inquéritos. Vai responder por sete homicídios qualificados, além de ocultação de cadáver para todos os casos.
A pena pode superar 240 anos, dos quais 40 em regime fechado, tempo máximo permitido pela lei penal brasileira.
À luz da psiquiatria – O Campo Grande News conversou com o médico Marcos Estevão dos Santos Moura, que atua como perito forense, sobre as características que definem um assassino em série.
O médico explica que eles “estão inseridos nas personalidades psicopáticas”, manifesta desde a infância, mas nem sempre percebida. “Às vezes desde a infância, aparece algum comportamento violento com colegas ou com animais por exemplo, ou são mais isolados que as demais crianças da sua idade. Quando adultos, mostram-se muitas vezes corteses e cooperativos. Geralmente, pessoas que os conhecem não imaginam que sejam capazes de barbáries como essas. Já nascem, crescem e vivem assim”, observa o especialista.
Essas pessoas, segundo Marcos Estevão, quando começam a praticar seus crimes, só param depois de capturadas. “Não conseguem parar por si só”.
“Se forem soltos, certamente vão reincidir em seus crimes”, alerta.
Na explicação do psiquiatra, é típico dos serial killers escolherem o mesmo “modus operandi”. Da mesma forma, “depois de descobertos, eles confessam facilmente os crimes cometidos, contando detalhes sobre esses, sem manifestar qualquer remorso ou arrependimento”.
Ao contrário, diz. “Falam com tanta naturalidade e calma, que terminam ajudando as autoridades”.
No caso mais recente, a defesa de Cleber de Souza Carvalho diz que vai alegar insanidade mental, argumento usado para tentar provocar a internação do criminoso em hospital psiquiátrico e não o cumprimento de pena em presídio. É uma tese difícil de prosperar, se considerada a literatura médica.
“Eles têm capacidade de responder pelos delitos que praticam, mas muitas vezes prefere-se falar da psicopatia como uma perturbação da saúde mental, onde há indicação de medida de segurança em hospital de custódia ou nos anexos das penitenciárias, onde esses indivíduos permanecerão até que haja um parecer de cessação da periculosidade, fornecido por um psiquiatra forense, o que provavelmente não vai ocorrer, visto a natureza dos crimes cometidos”, afirma o psiquiatra ao Campo Grande News.
Ainda na síntese feita por Marcos Estevão, espera-se que a pena para um homicida em série seja tão longa, que mesmo com todas as possibilidades de progressão, possa permanecer recluso pelo período máximo permitido em lei. “Atualmente o consenso da psiquiatria forense é de considerar essas pessoas como não portadoras de doença mental, portanto em condições de responder por seus crimes, esperando que exames criminológicos futuros, durante o cumprimento da pena, sejam desfavoráveis à progressão da mesma”.
As que recebem medida de segurança, explica, não são internados nos hospitais psiquiátricos comuns, mas nos hospitais de custódia ou nos anexos às penitenciárias. Não há esse tipo de unidade em Mato Grosso do Sul.