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Capital

"Colaborativo" com as investigações, matador preenche perfil de serial killer

Polícia Civil conclui inquérito do primeiro crime de Cleber de Souza Carvalho, que confessou ter matado e enterrado 7 pessoas

Marta Ferreira | 21/05/2020 06:27
Cleber de Souza Carvalho escava terreno onde ele mesmo havia enterrado vítima de assassinato. (Foto: Henrique Kawaminami)
Cleber de Souza Carvalho escava terreno onde ele mesmo havia enterrado vítima de assassinato. (Foto: Henrique Kawaminami)

Descoberto neste mês de maio como o assassino de pelo menos sete vítimas em Campo Grande no intervalo de cinco anos, matando-as a pauladas, enterrando os corpos e se apossando de seus bens, o pedreiro Cleber de Souza Carvalho, 43 anos, está em vias de se tornar réu pelo primeiro crime tornado público, no dia 7 de maio. Duas semanas depois, a Polícia Civil já relatou o inquérito, ou seja, encerrou as apurações sobre o homicídio e ocultação de cadáver de José Leonel Ferreira dos Santos, 61 anos, comerciante encontrado enterrado no quintal da própria casa, na Vila Nasser.

O prazo exíguo tem a ver com o fato de se tratar de réu preso, o que exige conclusão em 10 dias da apuração, mas também com a característica do próprio criminoso. Ele agiu como costuma ser definida essa espécie de perpetrador de violências cruéis. Quando pego, explana a literatura a respeito e a experiência da polícia, o assassino em série não dificulta as investigações.

Como já foi amplamente divulgado, entre a prisão na sexta-feira (15) e o dia seguinte, sábado (16), Cleber assumiu mais seis mortes, com características semelhantes. Apontou onde ocultou os corpos e, com a expressão às vezes cansada, mas evidenciando tranquilidade, ajudou a escavar os locais para retirada de ossadas.

O “Pedreiro Assassino” foi definido à reportagem como investigado “colaborativo”, além de “educado”, por mais de um policial que esteve com ele.

"Convivia na comunidade sem alterações e em seu trabalho de pedreiro não havia reclamações", diz delegado Carlos Delano sobre o matador confesso. 
"Convivia na comunidade sem alterações e em seu trabalho de pedreiro não havia reclamações", diz delegado Carlos Delano sobre o matador confesso.

No comando da investigação, o delegado Carlos Delano, titular da DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Homicídios), respondeu ao Campo Grande News perguntas sobre o perfil de Cleber levantado até agora. Falou ainda sobre as investigações em andamento e as possibilidades legais de punição do homicida em série.

Campo Grande NewsQuando a equipe de investigação desconfiou que estava lidando com um assassino em série?  Por quê?

Carlos Delano - Das sete vítimas conhecidas, havia registro de boletim de ocorrência em três delas. Essas três eram objeto de investigação na Delegacia de Homicídios. O fato de os desaparecidos serem do sexo masculino e serem residentes em locais relativamente próximos entre si nos levou a levantar a hipótese de que poderiam ter alguma ligação. Após a descoberta do homicídio de José Leonel, que estava enterrado no quintal de casa, na Vila Nasser, e da identificação do autor, deduzimos que poderia ter algo a ver com os outros três desaparecimentos conhecidos. Compartilhamos essas informações com o Batalhão de Choque, que capturou o suspeito no dia 15/05 e o inquiriu sobre os desaparecimentos, tendo ele confessado o assassinato de José Leonel, dos três desaparecidos dos quais já se sabia e ainda de mais uma pessoa, que era seu primo, do qual sequer havia B.O. registrado. Ao fim da exumação dos restos mortais da quinta pessoa daquela sexta feira, o suspeito ainda confessou outro crime, indicando o local onde havia enterrado outro homem, que estava desaparecido desde abril de 2019.

 Campo Grande News: Já é possível traçar um perfil de Cleber de Souza Carvalho? E quais elementos desse perfil se encaixam no que se conhece como assassino em série?

Carlos Delano: O suspeito convivia na comunidade sem alterações e em seu trabalho de pedreiro não havia reclamações no trato pessoal. Além disso, no momento em que foi descoberto ele se mostrou cooperativo e racional, indicando com precisão o que havia feito e a maneira, bem como os locais em que havia enterrado os cadáveres.

Essas características estão frequentemente presentes em assassinos em série descritos em estudos de caso. Há ainda elementos da personalidade do suspeito, como ausência de empatia, que podem levar a supor que tem algum transtorno de personalidade como psicopatia ou transtorno de personalidade antissocial. Isso, contudo, deve ser objeto de inquirição oportuna, por profissionais especializados.

É relevante sabermos que nesses casos os tribunais do Brasil têm considerado que psicopatas são aptos a compreender suas ações e determinar-se conforme este entendimento, de modo que estão aptos a cumprimento de pena de prisão, com redução em alguns casos.

Campo Grande News: Pela cronologia dos crimes, ele começou a matar “pela família”. Depois passou a vitimar pessoas desconhecidas. Isso tem a ver com a sensação de impunidade, ganhou confiança?

Carlos Delano: A análise da sequência de delitos de vários criminosos em série conhecidos revela que quando não é responsabilizado, sua autoconfiança aumenta, ocasionando dois efeitos: que ele aumente a frequência dos crimes, reduzindo o tempo entre um e outro, e que aja menos cuidadosamente, o que tende a propiciar sua prisão. Neste caso, vemos que o fato de o suspeito ter se mudado com familiares para a casa da vítima José Leonel um dia após o crime foi determinante para que a polícia o identificasse. É relevante, ainda, perceber que os dois últimos crimes praticados por ele ocorreram nos dias 2 e 3 deste mês de maio.

 Campo Grande News? Que crimes podem ser imputados ao “Pedreiro Assassino”, considerando o conjunto dos assassinatos assumidos por ele?

Carlos Delano - Em uma primeira análise serão imputados sete crimes de homicídio qualificado por motivo torpe e por ter sido praticado mediante recurso que impossibilita a defesa do ofendido, além de ocultação de cadáver. Em alguns desses casos, dependendo do que for apurado a partir de agora, a imputação de latrocínio (roubo com resultado morte) pode prevalecer sobre a de homicídio.

O delegado Carlos Delano explica que cada morte terá inquérito em separado.
O delegado Carlos Delano explica que cada morte terá inquérito em separado.

Campo Grande News: Quais os próximos passos das investigações?

Carlos Delano - Cada um dos sete crimes conhecidos será apurado em um inquérito policial próprio. Um deles já está finalizado e foi enviado ao Ministério Público para que se dê início ao processo. Nos outros seis serão ouvidas testemunhas, feitas diligências de campo para coleta de mais elementos de convicção e realizados exames, como de identificação das ossadas. O suspeito também será interrogado, para que possa apresentar sua versão dos fatos.

 Campo Grande News: Os leitores questionam, bastante, quanto tempo de fato ele poderá ficar em regime fechado. Como funciona a lei brasileira neste sentido? 

Carlos Delano: Certeza só teremos com a condenação, mas pode-se fazer uma projeção com base na pena mínima prevista a cada um dos crimes. Se houver condenação pela pena mínima de sete homicídios qualificados (12 anos para cada), a pena seria de 84 anos. Por haver mais de uma condenação (reincidência) e por se tratar de crimes hediondos, a progressão para o regime semiaberto só poderia ocorrer com o cumprimento de 70% da pena, que corresponde a aproximadamente 58 anos e nove meses em regime fechado. Se isso ocorrer, o máximo de pena que poderá ser cumprido, por força de lei, será de 40 anos.

 Campo Grande News: Também é muito presente a indagação sobre a demora em descobrir esses fatos. Ao que a polícia atribui?

Carlos Delano - O episódio que levou a Polícia à descoberta do primeiro caso chegou até nós através da irmã da vítima, que veio à Delegacia assim que tomou conhecimento do desaparecimento e da situação incomum na casa do idoso. Isso propiciou uma ação rápida e efetiva. Nos outros seis casos, só havia registro de boletim de ocorrência em três. Em um dos casos a vítima desapareceu havia cinco anos e ninguém comunicou. Em outro a vítima desapareceu há três meses e não foi registrado B.O.

É necessário que nos conscientizemos que devemos zelar pelo bem estar das pessoas que convivem conosco e comunicar a polícia caso ocorre qualquer coisa que possa representar risco à integridade e segurança. Depois de a situação ter se tornado pública, algumas pessoas nos procuraram para trazer informações relevantes sobre o desaparecimento de algumas vítimas.

Pensamos que se essas informações tivessem chegado antes poderíamos ter tido mais chance de evitar alguns crimes. Inobstante, não descartamos que existam mais vítimas, motivo pelo qual divulgamos o contato do serviço de pessoas desaparecidas da Delegacia de Homicídios – (67) 9238-4923 – em que a população pode prestar informações anonimamente por WhatsApp, sobre este caso e sobre outros.

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