Quem se omite deve ser punido, diz pai de Henry sobre morte de menina em MS
Ele soube de morte de menina em MS e questiona rede de atendimento
Leniel Borel, engenheiro de 38 anos, tornou-se conhecido no Brasil todo em março de 2021 em circunstâncias trágicas, quando o filho Henry, de 4 anos, morreu e a ex-mulher Monique Medeiros e o namorado dela, o vereador Jairo Souza Santos Júnior, foram presos e respondem pelo assassinato da criança, que já chegou sem vida no hospital. O drama pessoal acabou tornando o carioca em um ativista e porta-voz da lei aprovada pelo Congresso Nacional levando o nome do filho dele – a Lei nº 14.344. A norma, vigente desde maio de 2022, prevê mecanismos de proteção às crianças e punições às omissões no dever de dar segurança a elas.
Borel soube da morte da criança de 2 anos em Campo Grande, ocorrida na quinta-feira passada em situações semelhantes. “Trinta vezes na UPA?”, questionou sobre o histórico que acabou vindo à tona no dia da morte, demonstrando que já tinha lido reportagens sobre o tema. Ele contou que muitas pessoas marcam-no em reportagens ou enviam informações a ele quando o assunto é violência contra crianças.
Ele se solidarizou com Jean Carlos Ocampos, de 28 anos, pai da menina, e novamente questionou: “o tanto que ele falou e o que adiantou?”. Borel suspeita que o preconceito possa ter contribuído para a pouca atenção dada em toda a via crucis que Ocampos relatou ter enfrentado, já que ele vive uma relação homoafetiva.
Ocampos contou que esteve no Conselho Tutelar mais de uma vez, foi à Defensoria Pública pedir ajuda para obter a guarda, duas vezes registrou boletins de ocorrência, uma movimentação que se estendeu ao longo do ano de 2022 e não foi capaz de permitir um ambiente seguro para a menina. Ele imaginava que conseguiria uma medida protetiva, como prevê a Lei Henry Borel, para tirar a filha da casa da mãe, que está presa junto com o padrasto.
Borel explica que no caso da morte do filho, tudo aconteceu muito rápido. O menino e a mãe passaram a morar com o ex-vereador e quando ele começou a perceber alguma alteração no comportamento do filho, questionar à mãe, já ocorreu a morte. Ele relata que chegou a ser acusado por ela de tentar fazer alienação parental quando começou a pedir esclarecimentos.
Punir omissos - O engenheiro defende que não basta condenar os agressores. Ele acredita que o grande mérito da lei é prever punição para as pessoas que poderiam ter interferido na rede de proteção e foram omissas, contribuindo para um desfecho trágico. Ele argumenta que a agressão não começa de forma extremada, ela vai escalando ao longo do tempo, daí ser essencial as pessoas que atendem a criança, familiares e vizinhos tomarem atitude. No caso pessoal, ele acredita que também poderia ter salvado o filho se pessoas do entorno e que sabiam tivessem dado o alerta.
Ele diz que luta para fazer a lei ser mais conhecida e a rede de proteção mais eficiente. Nesse sentido, conta que aproveita as oportunidades para falar com juízes, promotores, delegados, policiais. A omissão produz morte, resume.
Para ele, por ser uma lei recente, é preciso empenho do poder público em torná-la conhecida, capacitar os funcionários públicos que atuam com as crianças. Borel acredita que ainda são poucas as iniciativas, esperava ver mais debate. Sentindo no dia a dia o vazio que não tem volta, ele defende que é preciso ação e prevenção para salvar outras crianças, o que não foi possível com o filho Henry.
Lei Henry Borel – A Lei nº 14.344/22 prevê que as informações das crianças sejam registradas e haja compartilhamento dos dados na rede de atendimento; o chamado sistema de garantia tem o dever de mapear e interferir nas situações de violência; os serviços de saúde e segurança devem atuar articulados; devem ser adotadas medidas protetivas - como prisão de agressor, afastamento do lar, colocação da criança em outra família -, cabíveis tanto na esfera policial quanto judicial.
A lei ainda criou dois crimes, um que pune a pessoa que não cumpriu a medida protetiva imposta, com pena de 3 meses a 2 anos, e o outro, que Borel considera um grande avanço, que pune quem se omite.
A pessoa que deixa de comunicar violência que toma conhecimento pode ser punida com pena de 6 meses a 3 anos de detenção, podendo aumentar em metade quando a criança ou adolescente tiver sofrido lesão grave, ou triplicada quando ocorrer morte. Há ainda a pena em dobro se quem se omitiu foi um familiar, responsável ou tutor.
A lei também prevê a adoção de medidas de segurança para proteger quem denunciar, além de compensações.