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Cidades

"Um pesadelo", diz vendedor sequestrado após ser confundido com membro do PCC

Vítima relatou que eles eram vigiados por criminosos desde que entraram na cidade

Mylena Fraiha | 03/05/2023 09:26
Vendedor relata que viagem de negócios virou um "pesadelo" (Foto: Juliano Almeida)
Vendedor relata que viagem de negócios virou um "pesadelo" (Foto: Juliano Almeida)

"Foi um pesadelo", resume o vendedor campo-grandense, de 29 anos, depois de sequestro no município de Dom Aquino, Mato Grosso. Ele e o colega de trabalho foram torturados após serem confundidos como membros do PCC (Primeiro Comando da Capital), facção considerada “inimiga” na região sul de Mato Grosso.

Agora, na segurança de casa, em Campo Grande, só restam memórias sobre o terror vivido. "Às vezes, na hora de dormir, ainda revivo algumas cenas", explica o vendedor, em entrevista concedida ao Campo Grande News.

Segundo o vendedor de frutas, tudo iniciou com uma viagem de negócios, em que ele e o colega, de 20 anos, também morador de Campo Grande, se deslocaram ao norte de Mato Grosso do Sul para realizar vendas. "Nós decidimos ampliar a rota e trabalhar fora, para melhorar as vendas. Foi assim que decidimos ir para Mato Grosso".

A dupla cruzou a fronteira entre os estados e parou em algumas cidades do interior de Mato Grosso, entre elas, o município de Dom Aquino, localizado a 188 km de Cuiabá. Quando chegaram à cidade, no dia 27 de abril, a dupla já estava sendo vigiada pelos criminosos.

Logo no início, já ouvimos que eles estavam cuidando de nós desde a entrada da cidade. Eles tentaram nos parar, mas não conseguiram por causa do movimento. Então nós continuamos trabalhando e passando por várias ruas. Foi então que eles começaram a nos encurralar”, explica o vendedor.

Por volta das 18h30, a dupla foi abordada por um jovem, que afirmou ter interesse em fazer compras. Em sequência, um motociclista armado e dois homens em um carro, modelo Fiat Uno, pararam e informaram que iriam levar a dupla para outro lugar. “Eles pararam ao nosso lado e começaram a nos pressionar. Eu não sei o nome da rua para onde fomos, mas lá eles pegaram nossos celulares e pediram para desbloqueá-los”, explica.

Os criminosos começaram a investigar o material dos celulares das vítimas. O objetivo era um só: tentar encontrar uma relação da dupla de vendedores com a facção rival. “Eles viram que tínhamos algumas fotos fazendo o sinal de vida louca, que é um "V" e um "L" cruzados. Só por causa disso, acharam que éramos membros de facções criminosas, mas explicamos que só fazíamos isso para tirar fotos”.

Vendedor relata que foi submetido à tortura física e psicológica por criminosos do Comando Vermelho (Foto: Juliano Almeida)
Vendedor relata que foi submetido à tortura física e psicológica por criminosos do Comando Vermelho (Foto: Juliano Almeida)

De acordo com o vendedor, a partir do mal-entendido, o tratamento dado mudou completamente. As vítimas foram submetidas à tortura física e psicológica, além de ameaças de morte. “Acharam que o meu companheiro era do PCC, só por causa das fotos. Então levaram ele para o fundo, amarraram ele e começaram a bater nele com pedaços de madeira”. Mesmo com as tentativas de esclarecimento, o grupo de criminosos foi irredutível.

Eu falei que era trabalhador, de igreja e tinha família, só que nada importava naquele momento”, explica a vítima.

Conforme relata o vendedor de 29 anos, o objetivo dos sequestradores era conseguir uma confissão da dupla e aplicar a pena do chamado “tribunal do crime”, comum entre facções criminosas. “Eles não queriam dinheiro e nem nada. Toda hora eles falavam que eram do Comando Vermelho e que eles tinham disciplina. Também falavam que não poderiam entrar no nosso estado [MS], porque seriam executados. Então que não iriam nos perdoar”.

Resgate - A iniciativa de resgate surgiu após o dono da empresa, de 49 anos, estranhar a falta de resposta dos funcionários. Ele relata que por volta das 20h, do dia 27 de abril, ele notou que os celulares dos funcionários não recebiam as mensagens e que as ligações eram recusadas.

Eu comecei a ficar preocupado, porque lembrei que aquela região era comandada pelo Comando Vermelho. Eles sempre param as pessoas que estão em viagem para questionar se fazem parte da facção de Mato Grosso do Sul”, explica o dono da empresa.

Preocupado com a situação, o empresário entrou em contato com a Polícia Militar de Dom Aquino, que logo iniciou as buscas pela cidade. Ele relata que também conversou com a esposa de uma das vítimas e pediu para tentar rastrear a localização. “Eu aguardei um pouco e ela conseguiu rastrear a localização pelo celular. Depois, eu liguei novamente para o policial e enviei essa informação”.

Por meio do rastreamento do celular de uma das vítimas, os agentes da Polícia Militar encontraram o veículo da dupla, em uma casa próxima a um seringal. Somente após os gritos de socorro que os policiais encontraram os dois homens amarrados nas árvores. “Eu só escutei eles [os sequestradores] falando que os homens tinham chegado. Então eles saíram devagar para a mata. Foi quando eu comecei a assobiar e indicar onde a gente estava”, explica a vítima.

Após o resgate, a dupla foi encaminhada para a delegacia da cidade, onde prestaram depoimento e foram liberados. Mesmo na segurança de casa, o vendedor explica que ainda tem dificuldades para dormir, mas que espera a justiça. “Agora vivo com medo e quase não saio de noite. Tenho medo da escuridão. Só que eu irei superar isso. Agora eu espero que eles paguem pelo que fizeram conosco”.

Prisões - Até o momento, três pessoas foram presas por envolvimento no crime de tortura, mediante sequestro e cárcere privado dos vendedores campo-grandenses. Na madrugada do dia 28 de abril, a polícia resgatou as vítimas e prendeu dois suspeitos que estavam na casa.

Durante a investigação policial e a partir de depoimento das vítimas, um terceiro suspeito foi identificado e preso neste sábado (29). De acordo com o boletim de ocorrência, ele também estaria comercializando drogas na região.

O terceiro suspeito foi encontrado com 41 pedras de uma substância semelhante à pasta base de cocaína e mais de R$ 479 em dinheiro durante a abordagem. O homem foi encaminhado para a delegacia de Dom Aquino.

Os outros envolvidos seguem foragidos e o caso segue sob investigação da Polícia Militar de Mato Grosso.

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