Bando que furtou Defender de meio milhão agiu em 4 estados
Chefe da quadrilha, "Robertinho", está preso em Minas Gerais. "Braço-direito" dele foi morto durante crime em Goiás
Acabou o mistério. O furto da Land Rover Defender avaliada em meio milhão de reais, à luz do dia, do pátio de concessionária em Campo Grande, há pouco mais de quatro meses, foi obra de bando especializado nesse tipo de crime e o esquema foi “derrubado” pela polícia. De 5 de agosto de 2020 a 4 de setembro, os bandidos levaram camionetes de luxo avaliadas em R$ 1,1 milhão, em quatro estados, São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul e por último Goiás, onde um deles acabou morto em confronto com a polícia.
Era Gilmar Souza Vargas, de 38 anos, alvejado por policiais militares no dia 10 de setembro, quando tentava escapar do cerco. Estava na direção de Hilux SW4, avaliada em R$ 285 mil, tirada dias antes de revenda em Goiânia.
O relato é de que ele não atendeu ordem de parada, ao ser abordado com o veículo, e atirou contra a equipe de segurança pública em rodovia goiana. No revide, foi morto.
Vargas, conforme a investigação da “Capivara Criminal”, participou do furto da Defender no dia 21 de agosto. Seu papel foi dar cobertura ao “cabeça” da quadrilha, Roberto Mafra Silveira, de 43 anos, atualmente preso em Bocaiúva (Minas Gerais), com previsão de transferência para Campo Grande. Autorização judicial nesse sentido foi dada em dezembro, a pedido da Defurv (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Furtos e Roubos de Veículos).
“Robertinho”, apurou a delegacia, é chefe da associação criminosa - nome técnico para grupos desse naipe, e arrebanhou os parceiros de crime. É um fora da lei com carreira estabelecida. Foi preso até por se apresentar como deputado federal, em 2008, e aplicar golpes em incautos.
De estelionatário, passou a ladrão. Ele e Gilmar foram presos juntos em situação anterior, no Rio de Janeiro. Eram conhecidos de bastante tempo.
"Robertinho" também escapou do cumprimento de condenação. Em ação no STJ (Superior Tribunal de Justiça) consta a informação de ter ficado 944 dias foragido do regime semiaberto, em Ijuí (RS). Fora dos muros da prisão, seguiu cometendo ilícitos.
Em Mato Grosso do Sul, os autos sobre o episódio correm em sigilo. Mas a reportagem teve acesso ao conteúdo do processo em andamento na Justiça paulista, onde as ações ilegais são detalhadas, até onde já se chegou.
Roteiro – Com o acesso ao processo da Justiça de São Paulo, a "Capivara Criminal" apurou que o estelionatário/ladrão foi preso em 2 de outubro passado, na cidade mineira de Montes Claros, onde tem familiares. Havia mandados de prisão de Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Sul.
Antes disso, junto com os comparsas, furtou uma Ford Ranger em Presidente Prudente (SP), no dia 5 de agosto, um Jeep Compass no dia 11 de agosto, em Maringá (PR), a Defender em Campo Grande, em 21 de agosto, e ainda a Hilux SW4 em Goiânia.
Há imagens capturadas por câmeras de segurança tanto na na concessionária da Land Rover em Campo Grande quanto na da Hilux na capital de Goiás. Para a polícia, quem aparece é Robertinho Mafra Silvieira, embora o uso de máscara de proteção atrapalhe a identificação. Golpista “profissional”, ele se fingia de cliente para atingir o objetivo.
É negativa a resposta da investigação policial à pergunta rotineira sobre eventual participação de funcionários das revendas na empreitada ilegal. Como está escrito e uma das peças processuais, o "tirocínio" dos investigadores mostrou a ligação entre os furtos, que inicialmente pareciam fatos isolados.
Agiam conforme as oportunidades. se aproveitando de fragilidades dos locais atacados", definiu à coluna a delegada Aline Sinott, titular da Defurv pelo inquérito a respeito da Land Rover.
De acordo com a investigação jornalística, foram indiciadas quatro pessoas, “Robertinho”, o braço-direito dele Gilmar, que acabou morrendo, uma mulher chamada Analice Fátima da Silva, 42 anos, e o irmão dela Edy Junior da Silva, 25 anos. Uma quinta pessoa, identificada apenas como “Patrícia”, está sendo procurada.
Todos os episódios atribuídos ao quinteto têm características semelhantes. Os utilitários de alto padrão estavam com a chave no contato, ou à espera de clientes ou em algum momento de manutenção.
A Defender, a mais valiosa de todos, estava para ser entregue ao comprador, mas segundo a delegada isso foi pura coincidência. A camionete sequer tinha rastreador ativado. Roberto entrou no saguão, adentrou no carro e saiu com ele.
Em outro caso, o automóvel havia acabado de chegar na loja. Estava descendo do caminhão-cegonha.
Na divisão de papéis, “Robertinho” planejava e tinha o auxílio de Gilmar para a ação em si. “Patrícia” intermediava a contratação dos outros para levar os carros até a Bolívia. Havia também estratégia clandestina para conseguir placas frias.
Assim como a atuação do bando, a apuração policial foi “interestadual”. Envolve São Paulo, onde ocorreu o primeiro dessa série de furtos, Paraná, que além de ter registro de crime, abriga endereços de parte dos bandidos, do Rio Grande do Sul, em que “Robertinho” já cometeu crimes e cumpriu pena, de Minas Gerais, onde foi capturado e do Mato Grosso. Uma irmã do “líder” reside no estado vizinho e foi identificada a ida dele para lá depois da ação em Campo Grande.
Prisão e soltura – Em solo sul-mato-grossense, os bandidos chegaram a ser abordados, e três deles presos, no dia 11 de agosto, quanto tentavam levar para a Bolívia a Ford Ranger, avaliada em R$ 173 mil, e também o Jeep Compass, cujo valor é de R$ 179 mil.
Estavam em comboio, seguindo na BR-262, rodovia de acesso à Bolívia. No País vizinho, estava o comprador, a quem só interessava, conforme levantado pelos policiais, se os produtos de crime foram zerados.
Nesse dia, policiais rodoviários federais prenderam Analice, que conduzia a Ford Ranger, com o irmão Edy no banco do passageiro, em Miranda, a 201 quilômetros de Campo Grande. Disse estar em viagem para conhecer o Pantanal, mas a experiência dos agentes de segurança pública identificou nervosismo fora do comum. A checagem mostrou origem irregular do automóvel.
Na sequência, Gilmar foi parado logo depois na rodovia, no Jeep, e levado para delegacia de Polícia Civil de Miranda, pelo mesmo motivo.
Inicialmente, disse ter sido contratado em rodoviária de São Paulo só para levar o veículo ao país vizinho, o que configuraria apenas o crime de receptação. Depois, confrontado pelos investigadores, admitiu o envolvimento também no furto. Chegou a citar a pessoa de “Robertinho”, sem dar pistas maiores sobre a identificação.
Se Gilmar foi preso dias antes do crime em Campo Grande, como estava livre para participar dele no dia 21 de agosto? É que no dia 13, ele foi solto por decisão do juiz Alysson Knipe Duque. Para a autoridade do Judiciário, não havia elementos suficientes para converter em prisão preventiva o flagrante feito pelo delegado Pedro Henrique Pillar, de Miranda.
E quanto a “Robertinho”? - O chefe do esquema também foi abordado na BR-262 na noite do dia 11 de agosto. Estava no comboio de veículos, mas isso não foi descoberto. Guiava uma GM Montana preta, atuando como batedor dos outros parceiros de vida bandida.
Na data, nada irregular com relação a ele foi encontrado. Acabou liberado.
Depois, os trabalhos policiais mostram “Robertinho” e Gilmar ocupando a Montana, como motorista e passageiro. O veículo foi identificado passando pelo pedágio de Corumbá no dia 22 de agosto. No banco do motorista, estava o chefe do bando.
A Defender nunca mais foi vista e as investigações continuam para esse fim. Sobre os ilícitos já descobertos, correm processos nos estados onde ocorreram, por furto e receptação.
(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal divulga informações sobre investigações criminais, seus personagens principais, e seu andamento na Justiça.
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