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Cidades

A doença e o julgamento: o sofrimento duplo de quem se afasta do trabalho

"Acham que a pessoa é fraca, que é frescura, falha no caráter. A primeira coisa é sensibilizar que o trabalhador pode adoecer", diz psiquiatra

Aline dos Santos | 13/04/2018 12:09
Daniel pede para não aparecer. Após três anos afastado, vai retornar ao trabalho.  (Foto: Saul Schramm)
Daniel pede para não aparecer. Após três anos afastado, vai retornar ao trabalho. (Foto: Saul Schramm)

Você gostaria de sofrer um acidente de trabalho e quebrar o pé? Com certeza, a proposta não soa tentadora. Mas muitos que sofrem de doenças mentais relacionadas à atividade laboral prefeririam ter um corte aberto, uma dor que pudesse ficar em exposição, a enfrentar um mal invisível, que afasta do trabalho e deixa um rastro de desconfiança entre empregadores e colegas: será que está mesmo doente a ponto de não conseguir trabalhar?

“Se você quebra uma perna, todo mundo vê. Mas quando é psicológico, ninguém vê o que você está tendo. O julgamento é maior por não ser uma coisa externada. Não consegue ter real percepção do que está acontecendo. Se você de alguma forma está escamoteando, mentindo”, afirma Daniel, 37 anos. A pedido do entrevistado, não será divulgado seu nome completo nem local de trabalho.

Há três anos afastado do serviço, em setor administrativo, ele se prepara para voltar. Personagem de uma longa jornada, Daniel conta que os primeiros sintomas chegaram há oito anos. Com recorrentes taquicardia, ele jurava que estava a ponto de ter um ataque cardíaco. O tratamento começou apenas com medicamentos, que não conseguiam conter o problema.

Em meio às crises e afastamentos, a ajuda veio da empresa. “Me acolheram de forma generosa, muito carinhosa, me auxiliaram a buscar ajuda especializada”, diz. Daniel teve que vencer o próprio preconceito para entender que precisava de atendimento psiquiátrico, terapia ocupacional, sessões com psicóloga. “Eu aprendi muito. Estou muito ansioso, quero voltar, trabalhar, mudar meu foco”, diz.

Se o trabalhador precisa vencer suas próprias resistência a buscar ajuda, os profissionais da área de saúde mental precisam reforçar aos responsáveis pelo setor de recursos humanos que os transtornos não são frescura.

Segundo Gislayne Poleto, doenças mais relacionadas ao trabalho são stress, síndrome de burnout e depressão. (Foto: Saul Schramm)
Segundo Gislayne Poleto, doenças mais relacionadas ao trabalho são stress, síndrome de burnout e depressão. (Foto: Saul Schramm)

“A primeira situação é sensibilizar os gestores de recursos humanos que existem fatores no trabalho que são desencadeantes de doença mental. Porque elas acham que não, acham que a pessoa é fraca, que é frescura, falha no caráter. A primeira coisa é sensibilizar que o trabalhador pode adoecer”, afirma a psiquiátrica Gislayne Budib Poleto.

Conforme a especialista, o segundo passo é identificar no ambiente de trabalho os fatores estressante, como cobrança de desempenho, cobrança de metas, falta de materiais necessários ao bom desempenho da função. Além de saber o que estressa, o trabalho também deve ter ações para 'desestressar'. Como, por exemplo, massagem, exercícios físicos, estímulo a caminhada, melhor alimentação.

Mas ainda há muita dificuldade para que locais de trabalho se ajustem as necessidades do ser humano. “Hoje é mais fácil do que antigamente. Mas ainda existe muito preconceito em relação à saúde mental. Não é uma coisa visível externamente, mas uma coisa interna. É um ser humano. Existem pessoas que têm resiliência maior a fatores estressantes, há pessoas com resiliência menor”, afirma. A especialista afirma que a maioria está sofrendo e que “malandragem” para tentar escapar do trabalho é minoria.

Irritabilidade – As doenças mais relacionadas ao trabalho são stress, síndrome de burnout (caracterizada pelo esgotamento do trabalhador) e depressão. Na sequência, surgem alcoolismo e dependência química.

“A primeira situação é a irritabilidade no trabalho, hostilidade, sem paciência. Não consegue desempenhar as atividades a contento, começa a entrar em conflito com a equipe de trabalho”, diz a psiquiatra.

Na sequência, isolamento social, tristeza, angústia, alteração no sono e na alimentação. “Todo ser humano pode ter irritação, raiva. Não quer dizer que seja patologia. Mas a frequência disso, se aparece todos os dias, se não consigo levantar da cama, principalmente na segunda-feira para trabalhar”, explica Gislayne.

"Eu aprendi muito. Estou muito ansioso, quero voltar, trabalhar", diz Daniel sobre longo tratamento. (Foto: Saul Schramm)
"Eu aprendi muito. Estou muito ansioso, quero voltar, trabalhar", diz Daniel sobre longo tratamento. (Foto: Saul Schramm)
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