O Campo Grande News acompanhou uma noite de fiscalização e ouviu diversas desculpas usadas por quem burla regra
Implementado em Campo Grande como medida de controle ao novo coronavírus, o toque de recolher mostra o quanto é difícil manter as pessoas dentro de casa em tempos de pandemia. Após 38 dias em vigor, uma das maiores dificuldades para quem fiscaliza o cumprimento da norma é a “abstinência” de quem já não abre mão de um "rolê", mesmo que isso represente risco iminente contaminação.
Se para quem está no confinamento é complicado, não é diferente para quem deve fazer a regra valer. Na noite de sábado, pouco antes das 22 horas, o Campo Grande News resolveu acompanhar equipes da Guarda Municipal nessa fiscalização que se há semanas se estende por toda a madrugada.
Aos agentes, cabe a tarefa de deixar na rua apenas quem não tem outra alternativa, como entregadores e pessoas indo à farmácia ou hospitais. No entanto, a cada dia aumenta a desobediência ao toque de recolher.
Entre uma abordagem e outra, os guardas colecionam histórias que se repetem na rotina de serviço. Segundo o supervisor Alexandre Pedroso, a maioria envolvendo pessoas alcoolizadas.
"No Bairro Colibri um rapaz disse que a mãe era policial, se recusou a ser revistado e xingou a gente. Em outra, o homem deixou a bebida cair no chão, começou a chorar e nos culpou porque não conseguiria outro lugar aberto para comprar mais. Já teve quem se recusasse a ir para casa porque estava fazendo aniversário. Tudo isso são coisas que encontramos na rua"
Neste sábado também não foi preciso andar muito para ver o desrespeito. Apenas três minutos depois de deixarmos da base, no Parque Jacques da Luz, nas Moreninhas, grupo de sete pessoas foi abordado na Rua Barreira. Todos bebiam em frente a um bar.
No local, uma auxiliar de serviços gerais, de 41 anos, conversou com a equipe de reportagem e tentou justificar. “Esquecemos do horário, mas já estávamos tomando a saideira”, disse. Os moradores foram orientados e tiveram que deixar o local imediatamente.
Para o agente supervisor da noite, guarda municipal Alexandre Pedroso, o passar dos dias provocou notório afrouxamento nos cuidados de prevenção entre os moradores e, consequentemente, no respeito ao que foi determinado pela Prefeitura como forma de precaução.
“As pessoas não aguentam mais ficar em casa e começaram a sair. Nós entendemos essa frustração, mas neste momento é um sacrifício necessário, não só para o próprio bem, mas para a segurança de toda a comunidade”, explica.
A dificuldade de ficar em casa foi atestada por moradora do Bairro Universitária que também aceitou falar com nossa equipe. Flagrada bebendo com outros cinco amigos em frente a uma barbearia, ela desabafou sobre o período de isolamento social. “É chato pra caramba ficar só dentro de casa, por isso acabam acontecendo esses momentos entre vizinhos”, afirma.
Ainda em abordagem nas Moreninhas, equipe se deparou com duas adolescentes que circulavam pelo bairro. Orientadas a voltar para casa, as meninas disseram que não sabia da proibição, um dos argumentos mais usados por quem é flagrado descumprindo o toque de recolher.
“Muitos dizem que não estão por dentro do decreto, que foram muitas publicações e não sabem qual está valendo. Por conta disso, sempre andamos com o documento impresso na viatura”, explica o guarda Clayton Anderson da Silva, que também estava na equipe.
Ranking da Desobediência
O Bairro Moreninhas aparece na lista dos que mais desrespeitam o recolhimento imposto. Na relação estão ainda o Tiradentes, Itamaracá, Los Angeles, Guanandi, a região do Nova lima e Indubrasil.
“Infelizmente, temos impressão de que as pessoas só se atentam quando acham que o risco de morte está próximo.
Coincidentemente, as áreas do Centro e do Residencial Damha, que concentram o maior número de casos confirmados do novo coronavírus, são as regiões que mais evitam as ruas.
"A aglomeração que antes sentíamos na região do Centro, migrou para os bairros”, pontua o guarda.
Na primeira hora acompanhando os guardas, oito pontos de aglomeração foram abordados. Em um deles, na Rua Anaca, uma família inteira lanchava na calçada na frente de uma residência, mesmo com o relógio quase marcando 23h. Até com um bebê no grupo, eles não quiseram falar com a imprensa.
Na Rua Barueri proprietário de uma conveniência que atendia por uma grade chegou a apagar as luzes do estabelecimento ao perceber a presença da Guarda. No entanto, como estava no meio de um atendimento, voltou atrás, se desculpou e afirmou que fecharia o comércio.
“As desculpas são diversas. Muitos desligam a luz, dizem que só estavam fechando caixa. Nesses casos nós orientamos e caso haja reincidência, o local é notificado,
No entanto, o supervisor afirma ter notado mudança no perfil de quem é abordado. De acordo com ele, antes o foco estava nas conveniências, mas hoje, as aglomerações se concentram em casas, entre famílias e vizinhos.
"Um senta na frente de casa e isso acaba chamando outros e assim se formam as aglomerações”, explica Pedroso.
Toque de recolher - Válido desde o dia 21 de março em Campo Grande, o toque de recolher, imposto pela Prefeitura, determinou que é proibido sair de casa das 22h às 5h. O prazo era até o dia 5 de abril, mais foi prorrogado e segue até o dia 10 de maio.
Por fim, só entre a noite de sábado e a madrugada deste domingo, 9 estabelecimentos comerciais foram orientados a fechar as portas e 154 pessoas foram abordadas e orientadas permanecerem dentro de casa.
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