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Com mesma doença da Anitta, vendedora não acha especialista para cirurgia

Campo Grande não tem médico que possa realizar o procedimento, e Sesau diz que vai contratar

Cassia Modena | 24/08/2023 11:50
A sacolinha rosa, no colo de Taigla*, guarda histórico da saga por tratamento (Foto: Marcos Maluf)
A sacolinha rosa, no colo de Taigla*, guarda histórico da saga por tratamento (Foto: Marcos Maluf)

Ao falar nas redes sociais que passaria por cirurgia para tratamento de endometriose, há cerca de um ano, a cantora Anitta surpreendeu quem não conhecia o problema de saúde. A famosa fez o procedimento cirúrgico no Hospital Vila Nova Star, da rede privada de São Paulo (SP).

Sem fama, plano de saúde ou dinheiro sobrando, é outra a realidade da vendedora Taigla Anaeth Rocha. Moradora de um condomínio popular do Bairro Jardim Campo Nobre, em Campo Grande, ela perdeu as contas de quantas vezes já saiu de casa para ir a uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) ou pronto-socorro de hospital.

"É como sentir as contrações do parto 24 horas por dia, sem estar grávida", descreve a campo-grandense sobre o pior sintoma. As dores se intensificam no período pré-menstrual e a impedem de levantar da cama e fazer coisas simples, como passar um café.

Anitta postou a foto depois da cirurgia, avisando que estava bem (Foto: Reprodução/Instagram)
Anitta postou a foto depois da cirurgia, avisando que estava bem (Foto: Reprodução/Instagram)

Taigla tem 30 anos. O último emprego com registro em carteira precisou ser abandonado por causa das dores incapacitantes. "Era uma empresa ótima, um salário muito bom e tinha colegas maravilhosos. Tive que falar para a minha chefe que, infelizmente, ia pedir demissão. Logo no primeiro mês, faltei dias por causa das contrações e era impossível trabalhar", lamenta. Atualmente, ela trabalha informalmente na venda de utensílios para a cozinha.

Ficar menstruada por mais de duas semanas e ter dificuldade de fazer necessidades fisiológicas são outras implicações da doença que impedem o pleno acesso ao mercado de trabalho. "Só quero ter uma vida normal e poder sair tranquila de casa", deseja Taigla. Ela não cogita tentar se aposentar.

O marido é também trabalhador informal. Faz serviços gerais e manutenção em escolas e residências. Os dois criam juntos dois filhos, que estão com 11 e 5 anos de idade.

Sem especialista no SUS - Numa escala de gravidade, a endometriose da vendedora de Campo Grande pode ser considerada pior que a da Anitta, pois está em nível profundo. "Isso significa que já atingiu muitos órgãos", explica a própria paciente.

A doença ocorre quando células do tecido que reveste o útero (endométrio), em vez de serem expulsas durante a menstruação, caem nos ovários ou na cavidade abdominal, voltando a se multiplicar e a sangrar anormalmente. As causas disso não estão definidas.

A cirurgia também é o tratamento mais indicado para a endometriose profunda de Taigla, pois a doença já comprometeu parte dos ovários, intestino e reto da vendedora. Ela descobriu isso em uma ressonância magnética que custou cerca de R$ 500 e foi paga graças a uma rifa.

Ela chegou a ser encaminhada para a cirurgia no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, onde passaria pelo procedimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde). "Mas a médica que me atendeu falou que nenhum hospital público Campo Grande tem especialista em endometriose profunda para fazer a cirurgia, que não adianta", relata.

Grifo da paciente mostra que houve tentativa de encaminhá-la a outro hospital para fazer a cirurgia (Foto: Marcos Maluf)
Grifo da paciente mostra que houve tentativa de encaminhá-la a outro hospital para fazer a cirurgia (Foto: Marcos Maluf)

Houve tentativa, segundo Taigla, de a demanda ser recebida por outro hospital. "Mas não tem especialista também. Até fui tirada do sistema de regulação", disse.

A Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) admitiu que Campo Grande ficou sem o profissional diante do desligamento do único antes existente. Em nota, disse que irá providenciar.

"O procedimento era realizado exclusivamente no Hospital Regional, tendo sido suspenso em decorrência do desligamento da única profissional que realizava as cirurgias. Sensível à necessidade da população, a Secretaria Municipal de Saúde está em tratativas com o hospital para a contratação de um novo profissional que possa ofertar o serviço contratualizado pelo município", pontuou em nota a Sesau.

O Hospital Regional de MS era o único que tinha o especialista (Foto: Arquivo/Paulo Francis)
O Hospital Regional de MS era o único que tinha o especialista (Foto: Arquivo/Paulo Francis)

Mais de 200 mulheres - Taigla ingressou com ação judicial, com o suporte da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, para conseguir realizar a cirurgia com urgência. "Mesmo que seja em outro Estado. Só o que eu preciso é fazer logo", apela. O lugar mais próximo com atendimento via SUS, segundo o órgão informou a ela, seria Ribeirão Preto (SP).

Um dado repassado à paciente durante o atendimento na Defensoria é que mais 200 mulheres estão na mesma situação, aguardando cirurgia cujo especialista não está disponível na Capital. Questionada se é essa a estimativa de pacientes aguardando pela cirurgia, a Sesau não respondeu.

"Um Estado desse tamanho tem até um 'aquário do Pantanal', mas não tem um especialista cirurgião em endometriose profunda!", se revolta a vendedora.

Diagnóstico tardio - Taigla também reclama do despreparo dos médicos para diagnosticar a endometriose. Foi o caso dela.

"Na minha adolescência e início da vida adulta, já tinha sintomas anormais no período menstrual, tanto que chorava de dor. Sangrei durante as duas gestações, e nenhum médico suspeitou que poderia ser por causa da endometriose", relembra.

Descoberta tardiamente, foi aí que doença acabou se agravando e atingindo os órgãos. "Deveria haver uma atenção maior à saúde das mulheres, para cuidarem da saúde desde cedo e não chegar a esse ponto", pede Taigla.

*Atendendo ao pedido da própria, o rosto de Taigla não é mostrado nesta matéria.

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