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Capital

Da escolaridade à roupa: obstáculos para os índios no mercado de trabalho

"Para trabalhar numa loja da cidade tem que ser bonito, se vestir bem", diz cacique

Aline dos Santos | 19/04/2018 06:35
Nito conta que a maioria dos índios de aldeia urbana trabalha como autônomo.  (Foto: Saul Schramm)
Nito conta que a maioria dos índios de aldeia urbana trabalha como autônomo. (Foto: Saul Schramm)

“Segura aquilo ali, mesmo que sofra. Se tem salário, está bom”. O ensinamento é do cacique Nito Nelson , 55 anos, para os filhos e tem como base a vivência de que é difícil índio conseguir emprego, portanto ele deve ser mantido a qualquer custo.

Enfrentar dificuldades por um posto no mercado de trabalho não é exclusividade para quem é indígena, mas a corrida pelo emprego traz mais obstáculos: baixa escolaridade, domínio parcial da língua portuguesa, modo de vestir e o preconceito por ser um índio.

“Para trabalhar numa loja da cidade tem que ser bonito, se vestir bem. Se procurar emprego de chinelos não vão dizer na hora para você ir embora. Falam que depois ligam”, diz Nito, liderança da aldeia Água Bonita, que existe desde 2001 na saída para Cuiabá, em Campo Grande.

Ele conta que a maioria dos moradores da aldeia, endereço de 190 famílias, trabalha como autônomo. “Eu mesmo trabalho com reciclagem. Como já passei dos 40 anos é ainda mais difícil”, relata.

Ainda sem documento que comprove a posse da terra, a aldeia urbana perde projetos que poderiam gerar empregos. “Como não temos título definitivo já perdemos fábrica de batata frita, de farinha e até uma sala de aula”, diz.

Das tradição do cultivo da terra, a área urbana só comporta horta e plantio de poucos ramos de mandioca. A falta de emprego redunda em falta de dinheiro que chega à violência, potencializada pelo avanço do uso de drogas.

"Achavam que estávamos xingando"

Dalia foi proibida de conversar em guarani no ambiente de trabalho. Mas faz questão de repasar o idioma para a filha. (Foto: Saul Schramm)
Dalia foi proibida de conversar em guarani no ambiente de trabalho. Mas faz questão de repasar o idioma para a filha. (Foto: Saul Schramm)

Quando conseguiu trabalho como menor aprendiz, Dalila Fernandes, 24 anos, logo se viu proibida de conversar em guarani com os outros três colegas. “Proibiram que a gente falasse no nosso idioma. Achavam que a gente estava xingando eles. Depois, colocou cada um em um setor”, conta a jovem, sobre a experiência no mercado de trabalho.

À época, ela morava na aldeia Bororó e trabalhava em Dourados. Hoje, mora na aldeia Água Bonita e, atualmente, se dedica aos cuidados com a filha de um ano. Por aqui, chegou a procurar emprego, mas sem sucesso. “Se está difícil para os brancos, imagina para os outros”, afirma.

Dalila também relata o preconceito. “Não tem emprego porque a maioria passa preconceito. Nem todos se arrumam bem e veem a a aparência da pessoa”, diz.

Na contramão de quem tem vergonha da língua materna e abole o idioma, Dalila conta que faz questão de ensinar o guarani para filha Ágata Vitória, de um ano e nove meses.

Sem festaA aldeia urbana não terá festividade neste 19 de abril, Dia do Índio. O cacique Nito Nelson afirma que a comemoração foi transferida para 14 de maio, aniversário da Água Bonita.

Ele relata que a mudança veio após uma visita a um monumento em Vitória da Conquista (Bahia). “Descobri que teve fuzilamento de indígenas. Não vou fazer festa para comemorar a morte dos nossos patrícios”, afirma.

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