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Capital

Da periferia ao centro da cidade, saúde nenhuma escapa de calorão "invernal"

Ciclos naturais e mudanças causadas pela ação humana explicam o que é sentido, no micro, por cada pessoa

Cassia Modena | 23/08/2023 12:51
No meio da manhã, sol já ardia em Campo Grande (Foto: Marcos Maluf)
No meio da manhã, sol já ardia em Campo Grande (Foto: Marcos Maluf)

A um mês do fim do inverno, Campo Grande registra até 36ºC nas horas mais quentes desta quarta-feira (23), segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia). E como é típico nesta estação na Capital e em outras cidades do Centro-Oeste, o calor invernal é sentido junto à secura do ar.

O mestre de obras Antônio Mendes, 62, trabalha na construção de casas numa rua sem asfalto do Bairro Jardim Noroeste. Como ainda não conta com eletricidade por lá, depende da luz solar para assentar os tijolos. Se expor ao sol por muitas horas seguidas é inevitável para ele.

Todo carro que passa levanta poeira, e a movimentação dos materiais para construção também. "Esses dias, fui limpar o nariz e saiu essa sujeira", conta Antônio. Ele diz estar acostumado. Não lembra de ficar doente devido às condições do tempo e à profissão que tem, mas sabe que tem gente que fica.

Antônio Mendes se acostumou ao tempo quente e seco (Foto: Marcos Maluf)
Antônio Mendes se acostumou ao tempo quente e seco (Foto: Marcos Maluf)

Saúde impactada - Cuidadora de idosos e mãe de duas crianças pequenas, Jaqueline Lina, 30, acha que a dor de cabeça que sente é sinal do corpo "pedindo" mais hidratação. "Ontem tive, daí bebi mais água e melhorei um pouco".

É com água também que ela tenta aliviar o desconforto que o tempo quente e seco traz à família e aos idosos que cuida. "Coloco no umidificador de ar, que fica o dia todo ligado. Passo um pano bem molhado no chão todos os dias", diz. Para piorar, ela mora também no Noroeste, em rua de terra.

Cuidadora de idosos Jaqueline Lina e a filha de três anos (Foto: Marcos Maluf)
Cuidadora de idosos Jaqueline Lina e a filha de três anos (Foto: Marcos Maluf)

Mesmo com todos esses cuidados, a filha de 3 anos tosse sem parar há duas semanas. Jaqueline a levou ao posto de saúde e saiu com receita médica de xarope. A menininha também sofre com coriza. "Eu acredito que a fumaça das queimadas no bairro e a poluição em Campo Grande contribuem para isso", acrescenta.

Em rua da região central, o corretor de imóveis Mário Galvão, 70, também sente a dificuldade de lidar com o calor que considera "horroroso". As narinas ressecam e ele precisa beber mais água que o habitual. Com a saúde em dia, ele se preserva voltando ao escritório quando a manhã está perto de terminar.

Na esquina com a Av. Afonso Pena, Mário Galvão anunciava imóveis nesta quarta (Foto: Marcos Maluf)
Na esquina com a Av. Afonso Pena, Mário Galvão anunciava imóveis nesta quarta (Foto: Marcos Maluf)

Por que tão seco e tão quente? - A catadora de recicláveis Roseli Rosa, 57, circula pelo mesmo bairro de Jaqueline em busca de material para venda, das 7h até o fim da tarde. Só pausa para fazer almoço em casa. Nos últimos meses, relata ter sentido falta de ar nos dias mais quentes e secos.

Roseli não chegou a ir ao médico para consultar o sintoma respiratório. No dia a dia, apenas o boné é aliado para se proteger do sol forte. Ela prefere não usar roupas longas e descarta o protetor solar. "Além de ser caro, não sou fã dele. Fica 'colando' no corpo", reclama.

Roseli Rosa tem só um boné para se proteger do sol (Foto: Marcos Maluf)
Roseli Rosa tem só um boné para se proteger do sol (Foto: Marcos Maluf)

Notou que o calor e a estiagem estão mais intensos e acredita que isso tenha ligação com o meio ambiente. "Não tenho muito estudo e muita leitura, mas vejo na televisão que é o desmatamento", aponta Roseli.

A catadora de recicláveis falou de uma questão não pontual que, segundo o superintendente da Fundação Neotropica do Brasil e professor da Universidade Católica Dom Bosco, Kwok Chiu Cheung, é um dos que explica os impactos à saúde e o mal-estar associados às condições do tempo.

Segundo o professor, desmatamento e as queimadas citadas pela cuidadora de idosos, além de outros fatores ambientais, são responsáveis por impactos locais, regionais e globais, dependendo da escala:

Existem medições sistematizadas mostrando que a perda da estrutura dos ecossistemas (água, solo, vegetação, fauna) tem levado a grandes alterações climáticas. Algumas regiões do mundo são importantes por produzir chuvas e umidade que são distribuídas para vários outros ambientes. A perda dessas regiões pode levar a um colapso climático. Basta observar que estamos no inverno e as temperaturas estão elevadíssimas", ele detalha.

O professor Kwok Chiu Cheung, durante palestra em universidade (Foto: Divulgação/UCDB)
O professor Kwok Chiu Cheung, durante palestra em universidade (Foto: Divulgação/UCDB)

Os ciclos naturais dos biomas Cerrado e Pantanal, que predominam em Mato Grosso do Sul, também têm relação com o que é sentido na área urbana da Capital. "Nesse período de estiagem, os dois apresentam grande alteração na paisagem. São lagos que secam, rios que diminuem muito sua vazão e, principalmente, acúmulo de matéria orgânica seca que pode incendiar facilmente. É importante lembrar que os principais rios do estado estão longe de Campo Grande. Dessa forma, pouco contribuem para gerar umidade", diz Cheung.

O que pode aliviar - Mestre em ecologia e conservação, o professor reforça a responsabilidade dos governos nesse assunto. "O municipais e estaduais precisam adequar as regras de uso do espaço urbano. Aumentar a área permeável nos terrenos particulares e públicos. Retomar o processo de arborização. Parece ser só um romantismo, mas não é", ele diz.

Quanto às árvores, elas podem existir também ao redor da área urbana, como uma espécie de cerca. "Podem estar em áreas adjacentes ao município como forma de gerar um 'cinturão verde' que possa gerar benefícios coletivos à população", sugere.

Para lidar com os efeitos das altas temperaturas no individual, ele faz algumas recomendações:

  • Evitar fazer pequenas queimadas e uso do fogo;
  • Manter dentro do terreno de casa uma área com grama e possuir árvores que possam gerar sombra e umidade;
  • Usar umidificadores, toalhas úmidas e recipientes com água dentro de casa.

Outra incomodada com o impacto do tempo à saúde, a dona de casa Kátia Nascimento, 60, faz outras duas sugestões que têm dado certo onde ela mora, no Bairro Vivendas do Parque. "Ter muitas plantas na varanda e consumir muitas frutas e verduras, de preferência sem agrotóxicos", pontua.

Kátia Nascimento, comprando em hortifrúti no Bairro Vivendas do Parque (Foto: Marcos Maluf)
Kátia Nascimento, comprando em hortifrúti no Bairro Vivendas do Parque (Foto: Marcos Maluf)

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