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Capital

Do lixão, catador imagina como seria a vista da cidade ao olhar pela janela

Paula Maciulevicius | 30/12/2011 18:02

 Do lixão, catador imagina como seria a vista da cidade ao olhar pela janela
Campo Grande vista pela imaginação de um catador. Foto tirada do alto do lixão. “Podia ser casa, um apartamento, ia ficar muito bonito com esse fundo”. (Foto: Pedro Peralta)

“Podia ser casa, um apartamento, ia ficar muito bonito com esse fundo, dá uma olhada... Enxergar isso de casa, com a família, ficaria lindo”. O que José Vilmar de Lima, 49 anos, imagina passa longe da realidade. É sentido em um cenário que contraria qualquer deslumbre de vista pela janela, no lixão.

“Antes, ninguém sabia o meu nome. Agora estão sabendo, estou conhecido. Mas não queria que fosse por isso. Eu fiz o que eu pude fazer. Quase que afundamos nós três”. Daí por diante ele desaba.

 Do lixão, catador imagina como seria a vista da cidade ao olhar pela janela
A foto é a mesma, apenas com corte diferente e mostra a realidade de José Vilmar, o cenário ainda existe. Mas é visto em meio a toneladas de lixo. (Foto: Pedro Peralta)

A história dele é de um catador de lixo que de um dia para o outro viu o local de trabalho se transformar num matadouro. Foi ele quem salvou o outro menino do soterramento e no final da manhã desta quinta-feira, arremessou uma pedra para que a escavadeira localizasse o corpo de Maikon Corrêa de Andrade, 9 anos.

Na tentativa de salvar o menino, não foi a primeira vez que José Vilmar olhou nos olhos da criança. “Ele direto estava aí, toda hora tem criança, às vezes até o pai quem manda”.

Hoje o catador estava lá, trabalhando. Cabisbaixo, procurando no lixo o que pode virar dinheiro. Um dia depois de ver as esperanças de uma mãe chegar ao fim, ele chora. “Se eu pudesse, teria ido embora hoje daqui”.

As mãos mostram o sofrimento do serviço. Dia e noite procurando em meio ao lixo o que pode ser vendido. “Eu cato de tudo, ferro, latinha, sucata, plástico, cobre”, diz.

Nesta sexta-feira o movimento no lixão não era dos mais agitados, como relatam os catadores. O silêncio predomina. Um lá, outro cá, trabalhando cada um na sua.

 Do lixão, catador imagina como seria a vista da cidade ao olhar pela janela
Com lágrimas nos olhos ele desaba. “Se eu pudesse, teria ido embora hoje daqui”. (Foto: Pedro Peralta)

O dia-a-dia do “seo” José trouxe a ele a consequência de viver ali. Sem olfato e paladar, ele só tem nas mãos o único instrumento para o serviço que comprou, um gancho de ferro. De resto, botinas, luvas e chapeu, tudo foi achado na fonte do sustento, o lixão.

“Se eu pegar bem cedo duas bag de pet está R$ 0,40 o quilo. Acabo tirando R$ 40 por dia, mas sofrido, não é brincadeira não trabalhar aqui”.

Há quatro anos e meio indo de segunda a segunda, ele quer sair de lá. E vai longe, não deseja passar a profissão adiante. “Minha filha nunca veio nem vai vir, se Deus quiser”.

“Eu só venho aqui pelo dinheiro. Mas é um ganho que você só vê indo embora. Eu tenho que vir para trabalhar e levar sustento da criança. Aqui dinheiro não vale nada, não rende nada”.

Como se não bastasse só trabalhar ali, o catador vê de perto a briga por comida. “Está tudo podre e estão levando embora. É um absurdo, um desespero. Parecem que estão passando fome, um em cima do outro”.

José está se referindo ao despejo de frios, de grandes supermercados da cidade. Que diariamente deixam de bolachas a carnes, presunto e mortadela. “Não vou dizer que eu nunca peguei, porque já peguei. Mas não vira. Tem carne que chega aqui já inchada e o povo leva. Minha mulher nunca quis comer”.

Ao Campo Grande News o catador falou de sua história, de ver uma criança caindo em meio a toneladas de tudo quanto é tipo de sujeira. Maikon morreu soterrado pela omissão dos olhos de uma cidade que não encara, apenas adia o problema há três décadas.

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