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Capital

Escola é condenada a indenizar família por taxar aluno de “menino-bomba”

Áudio de diretora em grupo de pais expôs estudante de 11 anos que sofria bullying

Anahi Zurutuza | 22/03/2023 20:12
Viatura da Polícia Civil em frente à Escola Paulo Freire (hoje Master); policiais acompanharam a chegada dos alunos no dia 12 de abril de 2019. (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)  
Viatura da Polícia Civil em frente à Escola Paulo Freire (hoje Master); policiais acompanharam a chegada dos alunos no dia 12 de abril de 2019. (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)

Uma das mais conhecidas escolas particulares de Campo Grande foi condenada a indenizar família por medida considerada “desproporcional” em episódio envolvendo o estudante, em 2019. O Colégio Master – antigo Paulo Freire – terá de pagar R$ 30 mil ao ex-aluno e aos pais dele pelos danos morais, caso o valor ou a sentença não sejam revistos em outras instâncias.

A família decidiu processar a escola depois que o então aluno, um garoto de 11 anos, matriculado no 7º ano do Ensino Fundamental, teve detalhes da vida expostos em áudio enviado pela diretora da escola, Adelina Spengler, em grupo de pais no WhatsApp. O garoto, que sofria bullying por estar acima do peso, havia feito ameaça de matar colegas, professores e funcionários e o aviso de uma mãe causou pânico.

A notícia de que o menino teria verbalizado a intenção de cometer o atentado surgiu depois que ele teria avisado uma amiga para não ir à aula no dia seguinte. Naquela semana, de abril de 2019, pais foram à escola buscar os filhos mais cedo e pediram reunião com a diretora para exigir a expulsão do estudante. Também procuraram a polícia.

Adelina argumentou no processo que gravou o áudio com a intenção de acalmar os responsáveis pelos alunos, mas o juiz Marcel Henry Batista de Arruda, da 11ª Vara Cível da Capital, entendeu terem sido demonstradas ao longo do processo “nítidas evidências de que a aludida diretora expôs detalhes da vida privada do estudante em medida que extrapola a razoabilidade e proporcionalidade que a situação, delicada por si só, exigia à época dos fatos”.

O magistrado considerou haver dano moral em razão da “desnecessária exposição”. “É certo que, muito embora a requerida [defesa da instituição de ensino] sustentar que a diretora apenas pretendia acalmar os pais dos demais alunos que estavam angustiados com a hipótese de haver um ataque na Escola Paulo Freire, revela-se abusiva e desarrazoada a descrição de fatos íntimos e personalíssimos dos autores”, diz trecho da decisão a qual o Campo Grande News teve acesso.

Mãe deixando a escola de mãos dadas com um dos alunos antes do término das aulas, no dia 11 de abril; outros pais fizeram o mesmo ao saberem do "possível atentado". (Foto: Campo Grande News/Arquivo)
Mãe deixando a escola de mãos dadas com um dos alunos antes do término das aulas, no dia 11 de abril; outros pais fizeram o mesmo ao saberem do "possível atentado". (Foto: Campo Grande News/Arquivo)

“Menino-bomba” – A defesa da família conseguiu demonstrar na ação judicial que o aluno, na verdade, havia sofrido uma “explosão emocional”, mas que “não apresentava comportamento agressivo, com risco efetivo para terceiros”. “Ele foi tratado como ‘menino-bomba’”, exemplificou a advogada Caroline Mendes, quando procurada pela reportagem.

Em nome dos clientes, a advogada afirma que “não houve tentativa de acolhimento por parte da direção da escola, ao aluno e aos pais, o que se esperava, não só por ser um aluno que estudava na escola desde o 1º ano, mas por ser o que se espera de qualquer instituição de ensino, que deve ser tecnicamente capacitada pra lidar com as dificuldades que são inerentes à adolescência”.

A defensora ressalta que “o tempo mostrou que era só um adolescente falando besteira quando se sentiu constrangido”. “A perfeita adaptação do jovem em outra comunidade escolar, nos anos seguintes, reforça que o adolescente não apresentava qualquer risco efetivo para si ou terceiros”.

Caroline diz ainda que o áudio gravado pela diretora continha inverdades sobre a saúde mental do aluno. “Um áudio falacioso sobre uso de medicação e histórico equivocado, que inflamou toda uma comunidade escolar contra uma criança e uma família. Essa superexposição fora de contexto verídico rodou a cidade inteira e prejudicou por muito tempo a vida desse adolescente e seus pais”.

Segundo a advogada, depois do acontecimento, o garoto foi matriculado pelos pais em outra escola, mas acabou reconhecido. Ele passou um bom tempo no ensino domiciliar.

Para Caroline Mendes, a sentença tem caráter pedagógico, uma vez que serve para que esta instituição de ensino e outras escolas revejam seus conceitos sobre como lidar com crises parecidas. “Agir não só de forma técnica e ética que cabe a uma escola, mas também com afeto, acolhimento e responsabilidade”.

Outro lado – A defesa do Colégio Master informou, por meio de nota, que o “magistrado entendeu pela procedência apenas de parte ínfima do pedido de dano moral pleiteado e pela improcedência de todos os demais pedidos”, acrescentando que vai “interpor recurso de apelação visando a reforma da sentença”.

Os advogados também lembraram que o processo tramita em segredo de Justiça e, por isso, não realizariam mais comentários.

Para evitar a identificação do estudante, vedada pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Campo Grande News omitiu, além do nome dele, as identidades dos pais.

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