Ex-reduto de famílias tradicionais, Jardim dos Estados vira “novo Centro”

Bairro que já foi reduto de famílias tradicionais, o Jardim dos Estados, com perímetro delimitado pelas avenidas Mato Grosso e Ricardo Brandão, além das ruas Ceará e 25 de Dezembro, funciona, literalmente, de manhã, tarde e noite. Assumindo o status de “Novo Centro” de Campo Grande.

Com metro quadrado mais barato e até melhor oferta de vagas para estacionamento no comparativo com o “Centro” tradicional - que engloba vias como 14 de Julho, Rui Barbosa e 13 de Maio, o Jardim dos Estados colhe os frutos de investimentos que avançaram pelas décadas desde os anos 50, quando foi criado.

Nesta conta, pesa a topografia (região mais alta da cidade), o perfil econômico dos primeiros moradores (fazendeiros com dinheiro para erguer mansões) e toda a atenção dada pela administração municipal para um bairro de rico.

Pelas ruas, o Jardim dos Estados mistura casarões, clínicas, supermercado, edifícios comerciais e residenciais, restaurantes, bares, cafés, salões de beleza, escritórios e lojas de roupas afamadas.

Na Piratininga, a casa de Manoel de Barros (já falecido) se tornou museu para resguardar a história do poeta, que em vida se dedicou ao ofício de buscar a “infância das palavras”.

Noutro ponto do movimentado bairro, na Rua Espírito Santo, surge o imóvel com ares de fazenda onde funciona churrascaria. Em sua página na internet, a  Costchêlaria destaca habitar uma casa com a “alma pantaneira”. O imóvel foi residência da família do músico Almir Sater.

Também no Jardim dos Estados, um adesivo com nome e número de sigla partidária lembra que imponente mansão foi endereço da família Trad, sobrenome tradicional da política sul-mato-grossense. Atualmente, há uma loja de roupas em parte do imóvel.

Proprietário da Cantina Romana, o empresário Carlos Clementino Moreira Filho conta que o restaurante está na Rua da Paz desde o começo dos anos 80. “O Fórum ainda era a cadeia pública. Mas já havia planos de modernização. A região se valorizou. Foi muito bom para a cantina que se consolidou ali e entrou para a memória da cidade”.

Tem de tudo - Aproveitando o frescor do dia, no começo da manhã de sábado (dia 4), a professora Ana Paula Gomes, 55 anos, passeava com o cachorro Rabito pelas calçadas do bairro. Ela mora no Jardim dos Estados há quatro anos e conta que encontra tudo o que precisa pertinho de casa. “Acho bacana essa acessibilidade. O bairro tem clínicas, supermercado, farmácias”, diz Ana Paula.

A moradora avalia que o trânsito precisa de intervenções, como melhorar a visibilidade para quem segue em direção à Rua Antônio Maria Coelho, na quadra com a Travessa Ninfa.

Na parte onde ainda prevalecem casas, placas na fachada remetem aos bairros essencialmente residenciais. O aviso é de “vizinhança conectada”. O comunicado prossegue mencionado que atitudes suspeitas serão denunciadas à polícia ou empresa de segurança.

Morador do Bairro Estrela Dalva e há quatro anos trabalhando no Jardim dos Estados, Alexandre Bastos, 37 anos, conta que poucas vezes ouviu falar sobre roubo a comércio, com acontecimentos esporádicos, já o trânsito motiva mais reclamações. “O trânsito é caótico. Principalmente nos horários de pico, das 11h às 13h e das 17h às 19h”, afirma.

Para quem vai trabalhar de carro, o desafio é conseguir vaga de estacionamento depois das 8h, quando o bairro se enche de vida e assume seu perfil comercial.

Mas, apesar de cada vez mais precisar deixar o carro em vaga de estacionamento distante, a análise é de que a realidade do bairro ainda é melhor do que no quadrilátero central.

“O Jardim dos Estados está bombando com escritórios e pontos comerciais pela disponibilidade de vagas. Vai estacionar lá no Centro, lá na Rui Barbosa, na 13, é muito pior. Metade das vagas já está ocupada pelos funcionários. No Jardim dos Estados você ainda consegue achar vaga em volta da quadra”, afirma o presidente do Secovi-MS (Sindicato da Habitação de Mato Grosso do Sul), Geraldo Barbosa de Paiva.

Ainda de acordo com ele, o custo do metro quadrado também é mais vantajoso no Jardim dos Estados do que no Centro. “Ao contrário do Centro, o futuro do Jardim dos Estados é urbanisticamente mais seguro. Tem vida de manhã, de tarde e de noite. Todos os estudos mostram que uma região precisa ter emprego, moradia e serviços”, destaca Geraldo.

Dentro do bairro, ele aponta as ruas mais valorizadas. “A Euclides da Cunha é a rua comercial de maior valorização. Depois, vêm a Antônio Maria Coelho e a Rua da Paz. São vias extremamente consolidadas em serviços e comércios”, diz o presidente do Secovi.

Coleção de privilégios – Antes da abertura do loteamento que daria origem ao Jardim dos Estados, a cidade ia até a Rua 25 de Dezembro, onde tinha um campo de aviação, o Campo de Marte.

De acordo com a arquiteta, urbanista e professora da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Maria Lúcia Torrecilha, o loteamento era na região pericentral, quase que no centro. Com os investimentos, Campo Grande foi crescendo para além da 25 de Dezembro, no sentido ao leste. Já do Centro para a região oeste, a estrada de ferro era uma barreira para a expansão.

“Aos poucos, essa região vai ganhando importância. Os antigos moradores eram donos de fazenda e vinham para cá passar alguns dias, os filhos vinham estudar. Se tornou um bairro privilegiado, com mansões, pessoas de alta renda”, afirma a professora.

A urbanista foi testemunha desse movimento da cidade. Em 1964, na infância, o pai, que era médico, foi um dos primeiros moradores da Rua Dom Aquino, quase esquina com a Rua 25 de Dezembro. Depois, quando ela retornou a Campo Grande após os estudos, o pai havia comprado terreno no Jardim dos Estados, ponto onde hoje é o endereço de Maria Lúcia.

Além do dinheiro privado, a região foi recebendo melhorias do poder público. Em 1968, exemplo, já contava com esgoto. Loteado antes de 1979, o bairro também não precisou garantir oferta de áreas para construção de postos de saúde, escola ou praças. O Jardim dos Estados cresceu por somar privilégios.

“Tem esse privilégio topográfico, a proximidade com o Centro, mas sem aquele burburinho. O que acho é que precisa de um olhar mais cuidadoso para uma série de situações: segurança, arborização mais adequada, calçadas mais adequadas. Porque a infraestrutura se esgota”, afirma a urbanista.

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