Mesmo sonho, realidade diferente: os extremos de quem cria filhos
Na prática, a mensalidade escolar em área nobre é capaz até de suprir os gastos de quem mora na periferia
Criar o filho com educação, estrutura e tudo do “bom e do melhor” está entre as metas de todos os pais responsáveis, mas a gente sabe que isso não é real. A discrepância entre a vida de um adolescente, por exemplo, em bairros mais afastados do Centro de Campo Grande e os de alto padrão é claramente exposta em contas simples.
Na prática, a mensalidade escolar em área nobre é capaz até de suprir os gastos de uma família inteira quem mora na periferia. São muitos os valores serviços e produtos que tornam muito distantes a vida de um adolescente que, por exemplo, cobra como se não houvesse amanhã, um celular com internet.
Só o plano de internet individual, pós-pago, para cada membro da família varia de R$ 29,00 (10 GB) a R$ 152,00 (63 GB). Isso sem comparar os preços dos modelos mais cobiçados.
Se por um lado, em alguns bairros, as opções de lazer, educação, hobby e alimentação são restritas, com praças sem manutenção e nenhum cinema por perto. E, mesmo que tivessem a meia-entrada custa a partir de R$ 26,88, no Jardim dos Estados.
Para quem vive com mais oportunidades, as variedades são extensas. Os jovens com pais “endinheirados” têm acesso a escola particular, academia cara, roupas de marca, celulares com tecnologia avançada, guloseimas de supermercados, cursinho de idioma e uma mesada “gorda”.
Para fazer a comparação, escolhemos dois bairros de grande ocupação, e entre eles o de menor e de maior valor por metro quadrado,
A dona de casa Natalina Rondon, de 35 anos, mora na Nova Campo Grande e sustenta quatro filhos, de 16 anos, 13, 5 e 2 anos. Os mais velhos estudam em escola pública e vão a pé. Eles ajudam a cuidar dos menores quando a mãe precisa, para não ter de pagar uma vizinha cuidadora.
Academia, cursinho pago e idas ao shopping estão longe de cogitação, mas a mãe se esforça para dar um “dinheirinho”, como ela mesmo diz, para os adolescentes comprarem o que quiserem.
Comprar doce com os R$ 20 que sobram no mês é o principal gasto dos meninos. O celular Android é a diversão no contra turno da escola, com vídeos no Youtube e jogos. “Às vezes brincam com os amigos em frente de casa, andam de bicicleta”, complementa. Academia, ela diz que o de 16 anos precisa fazer, mas não tem condições de pagar.
“Lá em casa são seis pessoas. Quando sobra dou dinheiro para eles, tem vezes que é R$ 20, já dei R$ 50 uma vez. Roupa não compro sempre, quando compro é R$ 40 uma peça aqui no bairro e eles também vão passando um para o outro a roupa, então eu aproveito”, diz.
Natalina também sonha em uma boa profissão para o filho e garante que se tivesse condições também pagaria escola particular, no Centro.
A autônoma Kleiriane Vale diz com orgulho que desde nova, a filha que agora tem 23 anos já trabalhava para poder atender suas próprias necessidades e ajudar em casa. Mãe solo, ela conta que a filha sempre estudou em escola pública. O cursinho de idioma não vingou, porque deu lugar a um curso profissionalizante, desses que não pagam.
“Desde os 14 anos coloquei ela para fazer curso de menor aprendiz. Então, ela pagava as coisas dela. Mas antes disso, eu comprava o que ela pedia e quando dava. Roupa é só quando tinha aniversário ou no final do ano, mas também ela tem uma prima da idade dela e iam passando as roupas. Maquiagem, ela olhava a ‘revistinha’ da Avon e pedia algumas coisas”, lembra.
Kleiriane também tem uma filha, de 7 anos, que já precisou ficar na cuidadora durante 6 meses, que recebia R$ 350 por meio período. Na época foi uma alegria quando saiu a vaga na creche pública por não precisar mais desembolsar o valor.
Em uma pesquisa rápida nos dois bairros a diferença em criar um filho começa pelo valor da mensalidade para quem pode pagar escola particular.
No Nova Campo Grande, por exemplo, a única escola privada encontrada vai apenas até o fundamental I, com a mensalidade custando R$ 540. Já para os maiores... só escola pública.
Na região, uma loja de vestuário tem de tudo para vender. Tênis réplica da Nike custa R$ 100. Blusa masculina e feminina, R$ 30 cada e short a R$ 55.
Outra realidade - No outro oposto dessa comparação, só a escola mais cara do Jardim dos Estados tem mensalidade também de Ensino Fundamental e integral é de R$ 3.245, quase o equivalente ao rendimento médio de um trabalhador com carteira assinada, segundo o IBGE, que hoje é de R$ 3.400 em Campo Grande.
Agente comercial, de 54 anos, tem dois filhos, de 18 e 20 anos e pede para não ser identificada. A mudança já começa por aí quando vamos ao outro extremo financeiro, o Jardim dos Estados.
Um dos filhos está concluindo o 3° ano e o outro já está cursando Direito e estudaram em escola particular a vida toda, fizeram curso de Inglês e ainda ganham mesada de R$ 500.
“Eles têm uma mesada, mas é muito simbólico, mantivemos porque o salário é baixo. Damos um cartão de limite de R$ 500, o que eles passarem, eles pagam a diferença do dinheiro deles. Tem que aprender a controlar o dinheiro. A educação a gente continua pagando, porque é o maior investimento”, explicou.
No decorrer desses anos, os pais montaram uma poupança e quando completaram 18 anos compraram um carro popular, que atualmente dividem.
O mais novo estudava no Nota 10, com mensalidade de R$ 1,3 mil, cerca de um salário mínimo, nada de muito diferente da média de escolas na região central. Depois disso, a mãe já avisou que vai colocar em um cursinho para vestibular.
Na família, os estudos sempre foram colocados como prioridade. “Sempre trouxemos os dois muito dentro da realidade. A gente fala que o estudo é o bem maior que eles têm, porque isso ninguém vai tirar deles. É muito importante que eles tenham consciência que tudo que a gente conseguiu foi com estudo”, pontuou.
Questionada sobre os momentos de lazer, a mãe diz como funciona. Antes de arrumarem emprego e quando eram mais novos, os dois costumavam ir ao shopping, Parque das Nações Indígenas e na casa de amigos para festinhas. Agora, como a mãe diz, eles frequentam a Valley e se reúnem com os amigos em casa.
Com o dinheiro que cada um tem por mês compram as próprias roupas, colocam gasolina no carro, compram lanche, saem com os amigos.
A mãe conta que agora a “vibe” é ter roupa de marca, como Tommy e Adidas, por exemplo, mas que também usam roupas simples.
“Os dois estão trabalhando, os dois estão estudando, os dois tem boas relações. Então o que plantamos, estamos colhendo. É uma luta diária, de muita orientação, muita conversa. Bens patrimoniais não são tudo na vida”, finaliza.
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para entrar na lista VIP do Campo Grande News.