Flagrante de réu em restaurante expõe falta de fiscalização de liberdade vigiada
O flagrante do confeiteiro Christiano Luna de Almeida, 29 anos, supostamente consumindo bebida alcoólica em um restaurante expôs a dificuldade da Justiça para fiscalizar pessoas que respondem em liberdade a processos, e que são beneficiadas com as chamadas medidas restritivas de direito, ou seja, substituem a prisão por uma espécie de toque de recolher. No caso do jovem, réu pela morte do segurança Jeferson Bruno Escobar, o Brunão, ocorrida 2011, entre as restrições estava o não consumo de bebida em ambiente público, mas uma foto feita no domingo, por parentes da vítima, revela um copo do que parece ser cerveja na mesa de Christiano, à frente dele. Enviada à promotoria pública, a imagem gerou um pedido de prisão, ainda sob análise.
O episódio demonstra que, na prática, ninguém fiscaliza efetivamente o cumprimentos das medidas restritivas e a denúncia dos abusos acaba ficando a cargo da população, ou ainda de policiais durante o trabalho diário, que já é grande. “Os juízes contam com todo tipo de ajuda nessa situação, PM, Polícia Civil, Ministério Público, sociedade civil. Qualquer denúncia de violação (de acordo) é apurada”, apontou Fernando Cury, presidente da Amamsul (Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul).
Segundo ele, o Tribunal de Justiça tem um órgão que funciona para aplicar e fiscalizar as penas alternativas, onde podem ser feitas as denúncias. “Os órgãos da segurança pública são capacitados para averiguarem essas violações. Caso a pessoa não tenha provas concretas, pode até mesmo registrar um boletim de ocorrência que a denúncia será devidamente investigada”, completou Cury.
Responsável pelo processo em que Christiano Luna é reu, o juiz Aluizio Pereira dos Santos, da 2ª Vara do Tribunal do Júri, acrescenta que em geral, as pessoas obedecem as determinações, por medo de uma prisão e que por isso mesmo a justiça leva em conta a "audodisciplina do cidadão". De acordo com ele, os policiais, em seu serviço de rotina, costumam identificar os descumprimentos. Além disso, frisa, a população em geral pode fazer denúncias, como foi o caso do réu pela morte do segurança Brunão.
Onde denunciar? - Advogado especialista na atuação em crimes de homicídios e tribunal do júri, Carlo Frederico Müller, famoso pela atuação em casos de destaque, como na defesa do jornalista Pimenta Neves, condenado por matar a namorada em São Paulo, alerta que toda denúncia de violação dos acordos deve ser levada à Justiça ou Promotoria.
“Se o acusado estiver em um comércio, estabelecimento, essa informação deve ser levada adiante. Há elementos para o MP ou o juiz do caso terem acesso às câmeras de segurança, por exemplo, e assim confirmarem a violação. O importante é deixar o magistrado ciente de que a pena alternativa não está tendo efeito”, apontou Müller.
O advogado vai além. Diz que os defensores devem alertar seus clientes do risco que correm. “O interessado é o próprio acusado. É o destino dele em jogo, sua situação. Se ele foi beneficiado com uma pena alternativa, é ele quem tem de tomar os cuidados para não retornar ou ir parar em um cárcere. A pena maior é dele mesmo”, completou.
Professor titular de direito da USP (Universidade de São Paulo) e presidente da Comissão de Estudos de Direito Penal do Instituto dos Advogados de São Paulo, Renato de Mello Jorge Silveira aponta que os burlamentos dos acordos judiciais são constantes pelo simples fato da fiscalização ser ineficaz.
“A medida só tem de ser fiscalizada por um órgão: o Tribunal de Justiça. E não há estrutura para se fazer esse acompanhamento de todos os casos que acabam sendo beneficiados (com a pena alternativa). Não se tem capacidade de fiscalização, ainda mais em uma cidade grande e extensa, como Campo Grande. É uma situação corriqueira (quebra de acordos), que infelizmente não deixará de acontecer”, concluiu o jurista.