ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
DEZEMBRO, SEGUNDA  23    CAMPO GRANDE 30º

Capital

Fora do perímetro: área urbana cresce sob suspeita, mas exclui 800 famílias

Aline dos Santos | 05/03/2015 15:05
No papel, guarita fica na divisão de zona urbana e rural. No real, Portal da Lagoa cresce atrás de avenida. (Foto: Marcos Ermínio)
No papel, guarita fica na divisão de zona urbana e rural. No real, Portal da Lagoa cresce atrás de avenida. (Foto: Marcos Ermínio)
Segundo diretor do Planurb, mudanças no perímetro urbano foram pontuais. (Foto: Marcos Cristaldo)
Segundo diretor do Planurb, mudanças no perímetro urbano foram pontuais. (Foto: Marcos Cristaldo)

Há 17 anos no mesmo endereço, Mariolino Gonçalves, 48 anos, nunca pôde receber uma carta em casa. Todos os dias, ele e outros moradores do Portal da Lagoa, na saída para Rochedinho, precisam rumar até o centro comunitário para buscar a correspondência. As 800 famílias fazem parte dos excluídos do perímetro urbano, numa rotina sem CEP (Código de Endereçamento Postal), sem pagamento de IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) e sem escritura dos terrenos.

Do outro lado da cidade, na saída para Três Lagoas, os futuros moradores de 2.346 lotes, divididos em nove loteamentos fechados e três abertos, no empreendimento Breezes Ecovillage, terão sorte diferente. Lei complementar, aprovada pela Câmara Municipal, ampliou o perímetro urbano, incluindo 306,86 hectares.

De acordo com o diretor-presidente do Planurb (Instituto Municipal de Planejamento Urbano), Marcos Cristaldo, a última revisão do perímetro urbano foi em 1988. “Houve alterações pontuais. Uma na região do Porto Seco, na saída para Sidrolândia, em 2012. Tivemos também uma alteração do perímetro em 2011, na saída para Três Lagoas. Foram essas duas alterações pontuais”, afirma.

O loteamento fica atrás do condomínio Damha, região do bairro Maria Aparecida Pedrossian. “Já temos GDU [Guia de Diretrizes Urbanísticas] e os empreendimentos vão se instalar no local. A prefeitura já cobra IPTU e quem tem área ali tem que empreender, senão acaba ficando caro”, salienta.

Contudo, o MPE (Ministério Público Estadual) apura a regularidade das três leis que dilataram área urbana de Campo Grande. Uma delas, inclusive, revogou o dispositivo de que o perímetro urbano só poderia ser alterado por ocasião da revisão do Plano Diretor, realizada de dez em dez anos.

O inquérito civil, em curso desde 26 de junho de 2013, mira as Leis Complementares 178, 180 e 205, publicadas entre 2011e 2012. Conforme a assessoria de imprensa, o procedimento está concluso para despacho, ou seja, em fase final.

Ainda em 2013, o CMDU (Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano) votou pela revogação das leis. No caso do Terminal Intermodal de Cargas, o Porto Seco, a justificativa do Poder Público para anexar 30 hectares à zona urbana era devido à necessidade de realizar PPP (Parceria Público Privada).

Contudo, segundo o conselho, a Lei 178 alterou a porção Sul da cidade em 186 hectares. Ainda conforme o CMDU as ampliações na região Leste foram sem justificativa técnica. O município tem oito mil quilômetros quadrados, sendo 350 quilômetros quadrados de perímetro urbano.

"Quando cheguei aqui, era mais fechado, pouca casa, sem coleta de lixo sem ônibus. Depois é que foi melhorando", conta Maria Gregória. (Foto: Marcos Ermínio)
"Quando cheguei aqui, era mais fechado, pouca casa, sem coleta de lixo sem ônibus. Depois é que foi melhorando", conta Maria Gregória. (Foto: Marcos Ermínio)
Mariolino se preocupa com situação legal da casa, que avalia em R$ 300 mil. (Foto: Marcos Ermínio)
Mariolino se preocupa com situação legal da casa, que avalia em R$ 300 mil. (Foto: Marcos Ermínio)

Vidas fora do perímetro – A linha que separa a zona rural da área urbana limita a chegada do asfalto, correspondência, posto de saúde e escola ao Portal da Lagoa. Numa terra de extremos, é possível usar internet wi-fi ao lado do mato que cerca um dos imóveis remanescentes da fazenda.

Um dos primeiros moradores, Mariolino Gonçalves conta que tudo começou há quase duas décadas, quando comprou lote da Correta Imobiliária. Dos planos de um condomínio, ficou somente uma guarita, que, após ser atingida por um carro, perdeu até a serventia de abrigar a correspondência entregue pelos Correios. “Venderam tudo e esqueceram de nós aqui”, conta.

Infraestrutura como água encanada e energia elétrica chegaram quatro anos depois dos primeiros moradores, substituindo o poço e os “gatos” na luz. O ônibus só passa em um ponto na rua Waldomiro de Oliveira Lima, que, sem existir oficialmente, não pode receber asfalto, mesmo sendo linha de transporte coletivo. Para Mariolino, a maior preocupação é com a situação legal da casa, que avalia em R$ 300 mil.

No bairro, as construções muradas e vedadas a quem passa na rua convivem com portões e portas abertas. Na casa da costureira Maria Gregória Ruis Lima, 60 anos, o portão aberto e uma câmera de videomonitoramento recebem a reportagem. No local que nem é cidade, faltam serviços, mas a violência já chegou.

“Falta asfalto, posto de saúde, escola. Quando cheguei aqui, era mais fechado, pouca casa, sem coleta de lixo sem ônibus. Depois é que foi melhorando”, relata.

O MPE move ação civil pública para a regularização da área. De acordo com o advogado Júlio Greguer, que representa a Correta Imobiliária, a empresa busca resolver a situação em conjunto com a administração pública. “Está em fase adiantada”, salienta.

A expectativa é que o terreno seja anexado ao perímetro urbano e os moradores possam ter matrícula do imóvel. “Tem fornecimento de água, energia elétrica, TV a cabo, internet, transporte público. Ele funciona exatamente como um bairro. A linha limite, no plano diretor, é a avenida em que fica a antiga guarita. Ali é o limite do perímetro urbano, você dá um passo e é zona rural”, afirma. A imobiliária fará levantamento demográfico no local. O prazo dado pela Justiça é de 60 dias.

Loteamento espera ser incluído na zona urbana. (Foto: Marcos Ermínio)
Loteamento espera ser incluído na zona urbana. (Foto: Marcos Ermínio)

O preço de crescer – A ampliação do perímetro urbano encarece o custo dos serviços públicos e deixa para trás áreas desabitadas. Para o presidente do Secovi (Sindicato da Habitação de Mato Grosso do Sul), Marcos Augusto Netto, o poder público pode até travar a expansão da zona urbana pelos próximos dez anos. “Ainda cabe um Mato Grosso do Sul inteiro em termos de população. Uma das formas eficazes é travar e forçar a crescer para dentro”, afirma.

Contudo, ele avalia que a prefeitura deveria atuar para baratear os loteamentos. “A lei é inibidora. Dificulta com exigência de asfalto, acesso, luz, água. O valor é repassado para o comprador. Quem vai comprar na periferia?”, questiona.

Nos siga no Google Notícias