Invasão de área é tão organizada que tem até assembleia contra "piratas"
Líderes do movimento explicam que método serve para coibir aproveitadores em busca de terra

O que começou de maneira simples, hoje, seis meses depois, já é uma espécie de bairro consolidado entre as ruas Londrina, Átomo e Maria Povoa Braga, no bairro Panorama, na região do Maria Aparecida Pedrossian. Invasores da Moradas dos Angicus, favela criada em setembro do ano passado em terreno da prefeitura, criam mecanismos próprios para sustentar a situação irregular, o que inclui ficha de cadastramento e assembleias regulares para deliberar sobre os problemas da nova comunidade.

O lugar tem hierarquia. Segundo a secretária administrativa, Giovani Moura Baltazar, 47 anos, um dos objetivos da burocracia na invasão também é barrar os chamados ‘piratas’, gente com casa própria e condições que se aproveitam da situação para abocanhar um pedaço de terra.
Invasores são acusados de ter residências próprias na região, com bom estrutura, e só estarem na área da prefeitura para conseguir mais um lote e depois comercializar. Giovani, uma das líderes da ocupação, rebate a acusação. Diz que é a presença de piratas que gera má fama a quem busca o sonho da moradia própria e atrapalha os planos para a negociação de compra do espaço pelos atuais moradores.
“A gente sabe que eles (‘piratas’) existem, mas não temos o que fazer. Conversamos, mas não temos controle sobre todo mundo que vem aqui. Tentamos pelo menos manter um cadastro de quem procura uma chance (na vida)”, disse Giovani.
Enquanto mostra uma pasta com a ficha de todas as cerca de 80 famílias que ocupam um pedaço do terreno, a líder explica uma das táticas usadas para filtrar e selecionar os sem-teto que vêem no Angicus uma chance de negócio, não uma necessidade.
Todo postulante a um pedaço do terreno precisa preencher uma ficha de inscrição, fornecer documento, escrever uma carta de intenções e passar por uma espécie de sabatina. O filtro ajuda, mas, claro, não é extremamente eficaz.
“A maioria aqui é trabalhador em busca de algo nosso, que não conseguia sobreviver pagando aluguel. E nem queremos nada de graça. Queremos definir logo com a Prefeitura a compra. Fazemos questão de regularizar tudo”, completou.

Luta – Também um dos primeiros a ocupar o terreno, o piscineiro Rudimar Nery, 47, é mais um a lamentar a presença dos ‘piratas’. “A gente faz triagem, se reúne, discute em assembléia, mas sempre escapa um ou outro. E sabemos que quem é contra nossa luta aumenta esse tipo de informação para nos prejudicar”, disse.
Segundo ele, não adianta culpar vizinhos temerosos pelo aumento dos boatos. “Entendo eles, de uma hora para a outra ganharam 80 famílias na vizinhança. Mas a gente se reuniu com muitos deles desde nossa chegada e hoje nossa luta é entendida. Ninguém quer ‘boquinha’, mas sim uma chance apenas”, completou.
Realidade – A Ocupação Morada dos Angicus cresceu desde seu início. Do relato na época do Campo Grande News, persistem lotes divididos com arames, fios e até barbantes, mas cresceu os barracos estruturados com madeira de refugo e cobertos com lonas plásticas. Assim como agora já há residências de alvenaria.
Nery é um dos que construiu uma casa. O quartinho de pau a pique onde dormia com o filho hoje virou um galinheiro e uma horta. “Com muito sufoco a gente vai construindo uma salinha aqui, um quartinho ali. Meu plano é deixar isso pra ele (o filho), como um troféu da vitória”, explicou.