ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
SETEMBRO, SEGUNDA  09    CAMPO GRANDE 34º

Capital

Medicamentos jogados na rua são falsificados e continuam abandonados em terreno

Caixas de papelão foram abertas; curiosos podem ter espalhado frascos

Por Cassia Modena e Ana Beatriz Rodrigues | 09/01/2024 10:05
Ontem (8) uma das caixas estava fechada; hoje (9), as duas estão abertas (Foto: Henrique Kawaminami)
Ontem (8) uma das caixas estava fechada; hoje (9), as duas estão abertas (Foto: Henrique Kawaminami)

Na manhã desta terça-feira (9), cerca de 19 horas depois de serem encontradas, dezenas de caixas de medicamento descrito como Immune Globulin Intravenous 5g% seguem jogadas em terreno que fica em frente a creche localizada no Jardim Botafogo, em Campo Grande.

O recolhimento é de responsabilidade das Vigilâncias Sanitária e Ambiental do município, segundo informou a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde). Embora a pasta tenha sido informada sobre o descarte pelo Campo Grande News no início da tarde de ontem (8), os remédios seguem exatamente onde estavam. Além disso, uma das duas caixas que ainda estava fechada foi aberta e revirada, provavelmente por curiosos.

Fornecedor da Cirúrgica MS, empresa que distribui medicamentos para a rede pública e privada do Estado, Bruno Girelli entrou em contato hoje com a reportagem para expressar preocupação com a demora do recolhimento. Ele alerta que o produto é falsificado e pode representar risco à saúde de quem o consumir.

Falso - Um comunicado oficial disponível no site da Bayer, farmacêutica cuja logomarca aparece nas caixas individuais e nos frascos do medicamento, esclarece que a empresa nunca o produziu nem o comercializou. Veja o texto, disponível desde 2022:

"Comunicamos que a Bayer S/A, por meio de reclamação de mercado recebida pelo seu SAC, tomou conhecimento de que o produto Gamimune N.5% está sendo comercializado com sua logomarca, o que trata-se de fraude, uma vez que que referido produto nunca foi produzido, importado, nem tampouco comercializado pela empresa", avisa.

Imagens que acompanham o comunicado, com a intenção de facilitar a identificação do produto fraudulento, foram comparadas por Girelli. Ele checou inclusive o lote, e constatou que se trata da mesma falsificação.

Dentro de caixa, frascos estão intactos (Foto: Henrique Kawaminami)
Dentro de caixa, frascos estão intactos (Foto: Henrique Kawaminami)

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) também emitiu comunicado, no mesmo ano, determinando a apreensão e proibição de venda do mesmo produto:

"A Anvisa determinou, por meio da Resolução RE 245, de 27 de janeiro de 2022, a apreensão e a proibição da distribuição, da comercialização e do uso de unidades falsificadas do lote IVL1915/50 do medicamento Inmunoglobulina G Endovenosa", registrou em nota.

Caso sério - O fornecedor explica que "o caso é sério", já que o medicamento falsificado chegou a ser analisado em laboratório brasileiro e apresentou composição diferente da que diz ter.

"Da forma que está, se for o mesmo que os falsificados já analisados em Estados como o Paraná, podem conter metronidazol, um medicamento anti-infeccioso indicado para o tratamento de giardíase, amebíase, tricomoníase, vaginites e outras infecções", disse.

Frascos estavam embalados em caixa de óleo vegetal (Foto: Henrique Kawaminami)
Frascos estavam embalados em caixa de óleo vegetal (Foto: Henrique Kawaminami)

Girelli suspeita que as caixas individuais, embaladas em caixa de óleo vegetal possivelmente para não terem origem identificada, foram deixadas no terreno baldio a mando de "algum distribuidor que tinha em estoque e venda para hospitais ou até a rede pública", fala.

De acordo com o que acompanha, milhares de unidades falsificadas têm sido apreendidas pela Polícia Federal em outros Estados, inclusive no Paraná, onde a Polícia Civil iniciou operação, em setembro do ano passado, para prender 16 pessoas envolvidas em fraude de licitação para comprar o medicamento ilegal.

Em Mato Grosso do Sul, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal apreenderam milhares de frascos do medicamento também no ano passado. Se fossem vendidos, renderiam milhões de reais (leia mais nas matérias relacionadas ao fim desta publicação).

Ninguém viu - O local de descarte na Capital é uma área grande, cercada por galpões e duas residências. Na vizinhança, não havia ninguém em casa para comentar o aparecimento das caixas. Nenhum dos locais possui câmeras de segurança que poderiam ter flagrado o ato, que é crime ambiental passível de aplicação de multa que varia de R$ 100 a R$ 15 mil, conforme informou a prefeitura.

Uma funcionária da creche que fica próxima ao terreno baldio, também moradora do Jardim Botafogo, afirmou suspeitar que o descarte tenha sido feito na segunda-feira, já que o conteúdo não estava molhado. "Choveu na região na sexta-feira e no fim de semana. Hoje, não", disse. Ela preferiu não ser identificada.

O verdadeiro - O Immune Globulin, conhecido como Imunoglobulina Humana, é um fármaco autorizado pela Anvisa no Brasil, desde que distribuído por farmacêutica autorizada e atendendo a todas as exigências legais para comercialização. A versão original é indicada para tratamento de leucemia, doenças autoimunes, e para pacientes recém-transplantados, por exemplo.

Apreensão feita em 2023; caixa para disfarçar conteúdo é igual a encontrada em 2024 (Foto: Divulgação/PRF)
Apreensão feita em 2023; caixa para disfarçar conteúdo é igual a encontrada em 2024 (Foto: Divulgação/PRF)

É um medicamento de alto custo, caracteriza ainda Girelli. "Pacientes com câncer chegam a necessitar de 30 ampolas para restabelecer a imunidade", ele exemplifica.

Quanto aos valores de comercialização, ele confirma que o da farmacêutica autorizada podem chegar a R$ 2,2 mil cada frasco, e que os falsificados chegam a ser vendidos por cerca de R$ 1,5 mil. "Isso sem ter efeito, já que não contém a mesma composição, conforme as análises laboratoriais", acrescenta.

Investigação - Resta saber quem estava comercializando o produto e descartou parte ou todo o estoque restante. O Campo Grande News procurou nesta terça-feira a Decat (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Ambientais e de Atendimento ao Turista), mas não recebeu informações sobre investigações em curso.

No ano passado, quando a Polícia Federal informou apreensão do mesmo medicamento em Mato Grosso do Sul, a reportagem havia questionado sobre os responsáveis pelo contrabando, já que se suspeitava que o medicamento foi produzido na Bolívia e não tinha nota fiscal ou autorização de importação. Na época, a resposta foi que as informações eram sigilosas, para que a divulgação não atrapalhasse o andamento das investigações.

Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News.

Nos siga no Google Notícias