MPF abre investigação preliminar sobre licitação que expulsou táxis do Aeroporto
Taxistas alegam que características da empresa vencedora reforçam suspeita de direcionamento
Provocado pelo grupo de taxistas que atuava até sábado (31 de agosto), no Aeroporto Internacional de Campo Grande, o MPF (Ministério Público Federal) abriu na tarde desta terça-feira (3), investigação preliminar sobre a licitação feita pela Infraero, administradora do terminal, para concessão da exploração do serviço de transporte de passageiros no local. Desde domingo (1º), só há uma vaga destinada aos taxistas e quem opera o serviço é a empresa Rodar Serviços de Táxi e Transportes Personalizados, que ganhou a licitação e vai pagar R$ 418 mil em quatro anos para explorar o ponto.
Os 44 titulares do antigo ponto 17 agora ficam na Avenida Duque de Caixas, fora do Aeroporto. Eles já entraram na Justiça Federal, no dia 31, pedindo a anulação da licitação e apontando indícios de irregularidades e hoje foram ao MPF, fizeram carreata e buzinaço na Avenida Afonso Pena e protocolaram representação, convertida em “notícia de fato”. Agora, as denúncias apresentadas serão investigadas e, se o procurador responsável entender que configuram indícios de irregularidades, podem ser transformadas em inquérito civil público.
A Infraero, todas as vezes que foi consultada, disse que o processo licitatório correu dentro da previsão legal e que os taxistas não participaram porque não quiseram. Não é o que afirmam os taxistas na ação protocolada na Justiça.
A petição inicial aponta uma série de irregularidades. Para começar, cita o texto, os profissionais só foram avisados que teriam de sair do local com “menos de 2 dias” de antecedência, pela Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito), em razão do processo licitatório.
“Porém, o referido processo licitatório n. 017/LALI-6/SBCG/2019 padece de severas nulidades e indica, em tese, o direcionamento da licitação à empresa vencedora”, prossegue a peça apresentada à Justiça Federal.
O pedido era de concessão de liminar para evitar a entrada em operação da empresa, mas não houve êxito antes da mudança se concretizar. Ao explicar porque vê direcionamento da licitação, a defesa dos taxistas afirma, entre outras coisas, que a Infraero violou o “imprescindível caráter público da concorrência.”
A licitação, citam os advogados, foi conduzida em Recife (PE). “Não se encontram qualquer justificativas para que a concessão de áreas do aeroporto desta cidade, seja licitada a mais de 3 mil quilômetros de distância, em cidade onde sequer está localizada a matriz da requeria. Correto seria que o procedimento fosse conduzido nesta cidade ou, no máximo, na capital federal”, pontuam os advogados.
Para eles, mais grave ainda é que “nenhuma publicidade acerca do certame foi realizada nesta cidade ou mesmo nas imediações e dependências do Aeroporto Internacional de Campo Grande”. “Assim, não causa espanto a adjudicante ter sido a única concorrente”. A Infraero afirma que foram três tentativas de licitar o serviço e só na última apareceu esse interessado.
A petição comenta que “é fato público e notório a crescente diversificação no mercado de transporte individual urbano, com o ingresso quase cotidiano de novas empresas de tecnologia, que em algumas cidades já disputam mercado com gigantes como a Uber, POP99 e claro, os convencionais serviços de táxi”.
Prossegue dizendo que, por isso, seria inconcebível que nenhuma dessas empresas tivesse interesse em participar da concorrência para atuar no aeroporto de uma Capital, considerando que foi licitada a exploração do espaço sob a modalidade de táxi e/ou transporte privado individual.
Estranhezas – Para a defesa do grupo de taxistas, as características da empresa vencedora também reforçam a suspeita de direcionamento da licitação.
A Rodar, diz o texto, “é um empresário individual de responsabilidade limitada que “de acordo com a terceira alteração do seu contrato social era, até 15 de agosto de 2018, denominada JPK Representação”. Só depois dessa data passa a ter como objeto social o transporte privado de passageiros, por aplicativo, aluguel, locação com motorista e táxi.
“Pouco tempo depois, por meio da quarta alteração do seu contrato social, a Rodar eleva o seu capital social em R$ 95.690,00 (noventa e cinco mil, seiscentos e noventa reais), integralizando-o com o veículo Hyundai Creta. Conforme consta do processo, esse é o único veículo de propriedade da empresa vencedora da licitação.
Ainda, conforme consta do pedido de anulação da licitação à Justiça, a comprovação de capacidade da empresa foi feita com uma única nota fiscal, que não serviria para atestar que a firma poderia prestar o serviço solicitado.
“A nota indica a prestação dos serviços pela adjudicante, sediada em Campo Grande (MS), ao tomador dos serviços Paulo Vinício Porto Aquino, com domicílio na cidade de Cuiabá (MT)”, escrevem os advogados.
“Causa estranheza a preferência do referido tomador pela empresa Rodar, distante mais de mil quilômetros do seu domicílio, sendo ele residente na rica capital do estado de Mato Grosso, que certamente dispõe de inúmeras empresas prestadoras de serviços de locação de veículos com motorista.”
O endereço, conforme relatado, é de um imóvel abandonado, segundo imagens do serviço Google Maps Street View se refere a um imóvel abandonado.
Outro problema apontado é que, como empresa pública, a Infraero deveria obdecer as determinações legais de concorrência, incluindo os prazos mínimos para a apresentação de propostas, contados da data da divulgação do instrumento convocatório. Esse prazo é de 30 dias.
Ocorre que, ainda conforme o processo movido na Justiça Federal, a convocação correu em 16/05/2019 e a data limite para apresentação das propostas foi fixada para o dia 30/05/2019, ou seja, fora do que determina a lei.
É táxi ou não - Por último, é apresentado o questionamento em relação à falta de alvaras para exploração de táxis, serviço regulado pela prefeitura. “Todas as questões relativas à exploração do serviço de táxi, organização, regulamentação, fiscalização, outorga ou a transferência desta, são decididas e implementadas única e exclusivamente pelos municípios”, lembram os advogados.
“Logo, tanto à luz do texto constitucional, quanto ante a previsão de lei infraconstitucional e, ainda, de acordo com a jurisprudência pátria, resta cristalinamente demonstrado que a Infraero não dispõe de competência para licitar o ponto de táxi n.° 17, pertencente ao Município de Campo Grande/MS.”
A conclusão do pedido de liminar é que a licitação está “eivada de nulidade desde o seu início, ante a flagrante incompetência para licitar, sendo a anulação do referido procedimento licitatório medida que se impõe”.
No plantão no fim de semana, o pedido foi negado. Um novo recurso foi apresentado ao juiz responsável e está sob análise. Paralelamente, o grupo foi ao MPF e apresentou as mesmas informações, que foram convertidas em investigação preliminar.
A Infraero, ao se manifestar sobre o tema, desde o início, disse que a licitação seguiu todos os tràmites e foi feita pelo sistema de compras on-line mantido pelo Banco do Brasil. Indagada sobre o assunto, a Agetran afirmou que o serviço licitado, embora haja a palavra táxi no nome da empresa e n o texto da licitação, não se trata dessa modalidade de transporte. De acordo com a Agência, trata-se de serviço de aluguel de carro com motorista, regulado pelo Código Civil.