"Não queremos covas, queremos casas": famílias voltam a ocupar área na Capital
Grupo alega que a área da prefeitura, no Jardim Montevidéu, está abandonada e há anos, deveria ser uma praça
Escrito à mão, um pedaço de papelão traz a mensagem: "Não queremos covas, queremos casas". A placa improvisada dá o tom de uma manifestação que ocorre nesta segunda-feira (14), em Campo Grande, de famílias que voltaram a ocupar terreno público entre as ruas Panônia e Catiporã, no Jardim Montevidéu.
As pessoas aproveitaram buracos cavados pela prefeitura para protestar em favor da moradia, cuja garantia é dever do poder público, de acordo com a Constituição Federal.
Há poucos dias, servidores vinculados ao município desocuparam o local e, com patrolas, desmancharam barracos improvisados por quem ali dormia. Posteriormente, com uso de uma escavadeira, foram feitas aberturas no solo, as quais os ocupantes associaram a covas.
Até o último sábado, havia 20 famílias no local, com cerca de 90 pessoas. Procurada, a Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano) reitera que o local é uma área pública e que, conforme o Código de Polícia Administrativa do Município, invadi-la se configura como ato infracional.
Nathália Lima do Nascimento, de 23 anos, ocupou a área ao lado do marido e dos três filhos - dois garotos, de cinco e dois anos, e um bebê, de cinco meses.
De acordo com ela, no sábado, por volta das 6h, agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana) deram ordem de saída das pessoas que estavam no local e encaminharam quatro à delegacia para depor, já que a área é de propriedade da prefeitura.
Nathália afirma que os profissionais de segurança pública fizeram os buracos, como forma de impedir a construção de novas estruturas.
Ela relata que moravam de aluguel em uma pequena casa, em um bairro da Capital, mas os rendimentos deixaram de ser suficientes para arcar com a locação de R$ 600. Quando a pandemia teve início, o marido, servente de pedreiro, ficou sem trabalho.
Inscritos no Auxílio Brasil, programa que repaginou o extinto Bolsa Família, eles recebem cerca de R$ 450, valor incapaz de custear casa e comida, por exemplo.
Segundo ela, tem sido difícil conseguir emprego com carteira assinada e há “muito tempo”, estão sem vínculo empregatício formal. “Para procurar trabalho, hoje em dia, é muito difícil, porque não temos endereço fixo. A gente saiu da casa de aluguel quando chegou a pandemia, meu marido não conseguiu arranjar mais trabalho e a gente teve que sair de casa, porque não tinha condição de pagar o aluguel.”
Cego por conta de uma cirurgia, Paulo João Dias, de 36 anos, recebe um salário mínimo, por meio da Loas (Lei Orgânica de Assistência Social), e comenta que a alta nos preços tem dificultado fazer render o benefício.
Junto à esposa, de 28 anos, que trabalha como diarista, pagam R$ 600 de aluguel e tem de dividir os recursos para garantir condições aos filhos João Miguel e Maria Paula, de seis e quatro anos.
Paulo entende que o protesto não se limita à sua própria condição, mas também a todas as pessoas que não têm onde morar, por falta de opção.
Representante da CMP (Central de Movimentos Populares), Clayton Soares critica as ações tomadas pelo poder público e comenta que os direitos fundamentais teriam de ser cumpridos, o que evitaria a situação. “É inadmissível o que aconteceu aqui, todos os direitos dessas pessoas foram quebrados. Esse movimento é em prol da cidadania.”
“Deveria ter sido feito de outra forma, a Assistência Social deveria ter visto antes, verificado a condição dessas pessoas. Elas já têm cadastro junto à Secretaria [de Assistência Social].”
Área ocupada - Ao menos 50 indivíduos estavam no local, em 6 de fevereiro, sob alegação de que não teriam onde morar.
Moradores denunciaram a ação e barracos foram derrubados pela Semadur, com uso de um trator e apoio da GCM. Alguns vizinhos, no entanto, se sensibilizaram com a situação e relataram que eles garantiam limpeza da área.
Segundo a pasta, em matéria publicada em 9 de fevereiro, a remoção das instalações foi feita com base no Código de Polícia Administrativa - de forma pacífica, segundo assessoria de imprensa do órgão.
O argumento utilizado se baseia no segundo parágrafo do artigo quinto do código: "verificada a invasão de logradouro público, o Executivo municipal promoverá as medidas judiciais cabíveis para por fim a mesma".
Após a remoção, eles retornaram ao local e, novamente, tiveram de desocupar a área, na quarta-feira (9).
No sábado, estavam de volta, mas houve a recente desocupação, com uso de maquinário, guardas civis e abertura dos buracos.
Quatro pessoas foram detidas pela GCM, sob crime de “esbulho possessório” - tomar algum bem de forma injusta, seja violenta, clandestina ou irregular.
O grupo argumenta que a área, de posse do município, foi escolhida por estar vazia há anos - há cerca de três décadas, planejava-se construir uma praça.
O Campo Grande News procurou a prefeitura de Campo Grande para se pronunciar sobre a situação, caso julgasse ser necessária, que encaminhou o embasamento jurídico citado nesta matéria.
(*) Matéria editada às 11h15 para acréscimo de informações da Semadur.