No ano em que famílias abandonaram idosos, há quem ganhe muito amor aos 110 anos
Número de abandono de idosos saltou em 2022; SAS possui centro de acolhimento
No ano em que idosos foram abandonados pelas famílias ou até vítimas de maus-tratos, ainda há quem receba muito carinho e amor. Aos 110 anos, a dona Maria José Viana intercala os cuidados entre a casa das duas filhas, a auxiliar de serviços gerais Vandete Benta da Silva, 54 anos, e a dona de casa Claudinete Benta da Silva, 59. E a dificuldade as filhas tiram de letra.
"Cuidar de uma pessoa idosa é não é fácil, porque requer atenção, cuidado, carinho, dedicação e tempo. Alguns estão em uma fase da vida que acham que não servem mais para nada, que atrapalham a vida dos seus filhos, mas pelo contrário, nos proporciona muita alegria, nos traz lembranças do passado, também a educação que nos passa e assim repassamos para os nossos filhos", comenta Vandete.
Dona Maria perdeu os pais cedo, antes dos 10 anos de idade. "Não teve carinhos e cuidados de pai e mãe, mas soube dar amor e carinho para os filhos", comenta Vandete, que atualmente trabalha e divide os cuidados da mãe com a irmã mais velha. "Quando está comigo, a gente conversa, ela conta sobre tudo aquilo que viveu, das experiências de vida. É maravilhoso ver o sorriso só de pegar na mão de uma pessoa idosa e ela sentir que você transmite carinho".
Vandete fala que é necessária muita dedicação e também paciência, mas que uma conversa nunca será em vão. "Sou uma amiga que senta do lado da minha mãe e ouve as histórias dela. Eu escuto e vou continuar escutando enquanto ela também estiver. É muito importante que possamos cuidar dos nossos idosos e não abandonar como muitos filhos fazem. Triste é saber que acontece isso", finaliza.
Segundo dados da Sejusp-MS (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul), o registro de abandono de incapaz, no caso de vítima com mais de 65 anos de idade, vem aumentando nos últimos anos. Em 2018 houve registro de dois casos, em 2019 cinco, em 2020 e 2021 apenas um caso e este ano pulou para sete.
Em agosto, o Campo Grande News divulgou o caso de uma idosa de 74 anos encontrada abandonada em condições insalubres, na Vila Nathália, região do Bairro Portal Caiobá. No quarto, havia urina e fezes no colchão onde ela dormia e no chão. A mulher informou que tem diabetes grau 3, o que prejudicou sua visão, não tomava banho há mais de três dias e só conseguia ter acesso a isso com ajuda de vizinhos. O cabelo estava tomado de piolhos.
Em outubro outro caso chamou atenção. Um idoso de 72 anos encontrado debilitado e caído em cima de fezes, vestindo apenas uma camiseta, em uma casa no Bairro Jardim Samambaia. Ele foi resgatado por equipe da PM (Polícia Militar), após denúncia de abandono e maus-tratos.
Para o psicólogo Wagner Massaranduba, especialista em Terapia Analítico-Comportamental, um dos motivos para o abandono é o rompimento de vínculo afetivo ou pouco vínculo. "Você vai pegar histórias de uma estrutura familiar bastante comprometida ou às vezes até questões socioeconômicas. O problema é que não podemos generalizar, porque teria que avaliar caso a caso para se entender todo o histórico", comenta.
Segundo Wagner, a pessoa que fica responsável pelo cuidado de alguém adoecido ou com algum tipo de dificuldade, seja idoso ou criança, acaba sofrendo com mudanças de humor. "Em um momento acaba sofrendo, porque é uma carga de responsabilidade, com novos afazeres em que você tem que desenvolver novas habilidades de cuidar de alguém que até o momento estava acostumado ter independência, autonomia".
Algumas pessoas, explica o especialista, têm habilidade nesse cuidado. "Aí entra o vínculo que você tem. A questão do afeto define muito sobre a forma que você vai perceber e lidar com o cuidado nesse momento que a pessoa está mais incapacitada", conclui.
Acolhimento - Segundo a SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social) de Campo Grande, a prefeitura atualmente possui três ILPIs (Instituições de Longa Permanência para Idosos). São eles: Sirpha, Asilo São João Bosco e Viver Bem.
"A demanda para acolhimento pode ser espontânea, via Creas (Centro de Referência Especializado em Assistência Social), por meio de outra Secretaria Municipal, por exemplo Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) ou via judicial, seja Vara da Infância, Adolescência e do Idoso, do Ministério Público Estadual ou Defensoria Pública Estadual e até mesmo situações mais urgentes vindas da Casa da Mulher Brasileira ou Delegacias de Polícia".
Quando a demanda chega até a GAC (Gerência de Proteção Social Especializada de Alta Complexidade), a equipe técnica faz uma visita no endereço e analisa se os requisitos para acolhimento da pessoa idosa estão presentes, sendo eles: não haver família ou rede de apoio, existência de uma violação de direito e o principal, a vontade da pessoa idosa.
Conforme a SAS, após constatada situação de abandono pela equipe psicojuridicossocial e se o idoso manifestar o desejo, poderá ser acolhido em instituição de longa permanência. "Todo acolhimento é provisório, podendo ser a qualquer momento reintegrado a família. Não compete a política de assistência social responsabilizar a família criminalmente, pois está é uma política de garantia de direitos e proteção social".