Para fazer valer empréstimo milionário, Centro precisa 'crescer pra dentro'
Prestes a receber U$56 milhões em investimentos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para ser revitalizado, o centro de Campo Grande tem 10,36% de seu perímetro desocupado. Na prática, são 129 campos de futebol na melhor localização da cidade sem utilidade alguma.
Os buracos foram identificados pelo trabalho sobre os vazios urbanos do Observatório de Arquitetura da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) e representam mais um desafio na elaboração dos planos para ressuscitar o centro.
“Se não houver uma política tributária e urbanística que incentive os proprietários dos terrenos a utilizá-los e a população a morar e frequentar o centro, a revitalização não será sustentável. Não adianta queimar 56 milhões para daqui a oito anos estar tudo abandonado de novo”, explica Marcos Augusto Netto, presidente do Secovi-MS (Sindicato da Habitação do Mato Grosso do Sul).
Basta uma caminhada pela região para entender a situação. Em praticamente todas as quadras, além das placas de aluga-se, há pelo menos um terreno baldio. Em esquinas nobres, no meio de quarteirões da 14 de julho, eles dividem espaço com as portas fechadas e ressaltam a sensação de abandono.
Tanto os pesquisadores quanto entidades como o Secovi são unânimes em dizer que, para sanar o problema, é preciso 'crescer pra dentro'. “O centro é um dos locais mais urbanizados e com melhor infraestrutura de luz, água e esgoto, mas ninguém aproveita isso”, expõe Marcos.
Esse crescimento interno é ainda mais relevante se considerarmos que a população de Campo Grande está espalhada em um perímetro urbano considerável. Ou seja, quem trabalha no centro vive longe dele – e passa por muitos terrenos vazios para chegar em casa – e consequentemente, de sua infraestrutura única.
Os comerciantes concordam. “A maioria dos moradores aqui do entorno já faleceu, era idoso, e as famílias não querem morar aqui. Essa região é esquecida”, comenta Ibrahim Mansur, 26 anos, dono de uma loja de móveis no começo da Antônio Maria Coelho.
“Ainda bem que nossos clientes vêm de fora, porque se dependesse do movimento da rua, teríamos fechado”, diz Gislene Leite, 35 anos, que toca com o marido um comércio de eletrônicos e equipamentos na Calógeras. A comerciante "herdou" o aluguel do sogro, que tinha a loja ali já há 30 anos. "E desde que ele chegou os imóveis do lado já estavam vazios", diz, apontando para as portas fechadas há décadas.
Portas fechadas, poucos habitantes. A densidade demográfica do centro hoje é de cerca de 40 hab/ha (habitantes por hectare). Para se ter ideia, na cidade de Curitiba, considerada exemplo de planejamento urbano, o índice salta para 100 hab/ha.
Para completar, dos 129 hectares livres citados no começo da reportagem, pelo menos 7 são áreas públicas que poderiam virar equipamentos sociais, de lazer ou cultura. Isso em uma região onde apenas 4% do território já é dedicado a estruturas como parques, praças e canteiros.
“Há muitos imóveis e áreas subutilizadas e usos possíveis para elas, mas é preciso uma estratégia forte e um projeto viável e técnico, não decisões tomadas por um burocrata qualquer”, completa Marcos, que prevê também que a discussão só vai andar mesmo a partir do ano que vem, na troca de gestão municipal.
No Reviva Centro, projeto que ganhou o empréstimo milionário, está prevista a construção de um calçadão para passeio. Em setembro do ano passado, a Prefeitura também anunciou que estudava a construção de complexos comerciais e residenciais para ocupar os vazios. Resta saber agora o que sairá do papel.