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Capital

Porteiro chamado de "macaco" denuncia caso à polícia: "abriu buraco no meu chão"

Caso aconteceu quando mulher se irritou ao ser impedida de entrar em condomínio, no Jardim Canguru

Silvia Frias e Mariely Barros | 12/05/2023 15:51
Porteiro chamado de "macaco" denuncia caso à polícia: "abriu buraco no meu chão"
Porteiro está há 2 meses no emprego e diz que nunca passou por situação semelhante. (Foto: Mariely Barros)

O porteiro Júlio Marcos da Silva, 37 anos, chegou cabisbaixo ao trabalho, no Condomínio Residencial Jardim Canguru, nesta sexta-feira. Ainda tem a lembrança vívida da discussão ocorrida ontem (11), em que foi chamado de “macaco, preto, filho da p***” por uma mulher que tentava entrar no prédio, à força.

O caso foi registrado como ameaça e incitação à discriminação ou preconceito de raça, ou racismo, na Depac/Cepol (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário), e aconteceu por volta das 13h30. A mulher de 48 anos, identificada apenas como Eliete, frequentou o condomínio enquanto namorou um morador.

Silva contou à reportagem que recebeu ordens para não deixar a mulher entrar no residencial, hoje, ex-namorado do morador. Na hora em que ela chegou, várias crianças estavam no pátio. “As crianças querendo sair para ir para escola e ela no portão, querendo entrar, não deixei”.

Segundo o porteiro, a mulher passou a se exaltar, gritando, dizendo que iria entrar de qualquer jeito e que o mataria se não a deixasse passar. “Aí ela começou a me xingar, me chamando de ‘macaco, preto, tudo mais”, contou. Silva pediu ajuda à síndica, que conseguiu fazer com que Eliete fosse embora.

Abalado, o porteiro ligou para a PM (Polícia Militar) que o acompanhou até a Depac/Cepol para o registro da ocorrência.

Silva se considera pardo e diz que nunca passou por situação parecida. “Senti o que muitas pessoas de cor passam, nunca tinha acontecido comigo”, contou. “Abriu um buraco no meu chão, é um abalo sentimental, uma coisa que mexe com a gente, já até pensei em sair do serviço”, disse o porteiro. Ele está nesse trabalho há 2 meses. “Vi do que o ser humano é capaz”.

O porteiro diz que recebeu apoio da síndica e demais moradores do condomínio, como o ex-namorado da mulher. Apesar do conforto, ainda não conseguiu superar o trauma. “É um sentimento de humilhação, uma tristeza grande, só passando por isso para saber”.

Mudança – O caso foi registrado racismo. A mulher, de 48 anos, chegou a ser presa e foi liberada hoje de manhã, por decisão judicial, após audiência de custódia.

A situação poderia ser enquadrada como injúria racial, mas, desde outubro de 2021, houve mudança no entendimento e nas implicações, conforme decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).

Os ministros decidiram que o crime de injúria racial configura uma forma de racismo, equiparação que o torna inafiançável e imprescritível. Porém, isso não significa que a pessoa ficará presa enquanto o caso estiver em andamento.

No entendimento do advogado Willer Almeida, da comissão da Igualdade Racial da OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil-MS), os crimes ainda têm suas diferenciações: o racismo é impedimento ou agressão a um grupo, como barrar a entrada em uma agência bancária. A injúria é direcionada, usando terminologia de forma agressiva.

Porém, a equiparação aumentou a pena prevista de um a três anos para dois a cinco anos. Isso impede que o delegado arbitre fiança e a pessoa deve passar por audiência de custódia.

Nessa fase, o juiz também não pode calcular fiança, mas pode conceder liberdade com ou sem restrições, levando-se em conta atenuantes, como ser réu primário e ter residência fixa. Almeida explica que a regra no processo penal é a liberdade.

Logo cedo, Silva soube que a mulher foi liberada. “Dinheiro dela eu não quero, eu não preciso, porque trabalho, mas ela tem que pagar pelo que fez, que seja com doação de cesta básica ou serviços comunitários”, disse.

A reportagem tentou com a Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública) saber quantos casos foram registrados este ano de racismo/injúria, mas não conseguiu contato. A mulher presa no flagrante também não foi localizada.

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