Testemunha-chave que gerou operação muda versão e se torna aliada da defesa
Eliane Benitez diz que foi forçada a dar a versão que a polícia queria sobre apreensão de armamento e prisão de ex-guarda
A mulher que foi testemunha-chave contra os integrantes de organização alvo da operação Omertà mudou de lado e agora é considerada aliada dos acusados pela Polícia de crimes que vão de execuções a corrupção de agentes públicos, um ano depois da ação embriã da investigação.
Esposa do ex-guarda municipal Marcelo Rios, preso em 19 de maio de 2019 com arsenal, Eliane Benitez foi dispensada como testemunha de acusação e, durante o depoimento a favor do marido, na ação sobre arsenal pego com Rios, mudou totalmente sua versão sobre os fatos.
A ação é a primeira relacionada ao grupo que entra em seu estágio final. No depoimento disponibilizado esta semana em vídeo, Eliane acusou, de forma contundente, a Polícia Civil de fazê-la mentir, entregando uma versão pronta para incriminar os envolvidos.
O que a investigação diz - Rios, segundo a denúncia, foi pego com arma irregular em veículo Saveiro, no dia 19 de maio do ano passado. Também havia munição em outra casa usada por ele, no Bairro Rouxinóis, além de sacola com munição, na residência onde vivia com a esposa e os dois filhos, no Portal Caiobá. O armamento de calibre grosso apreendido estava, conforme as investigações, em imóvel no Baiorro Monte Libano, que seria mantido pela organização.
O que a testemunha afirma agora - Eliane, ao ser ouvida no dia 21 de maio, a quinta-feira passada, alterou a versão colhida inicialmente, em depoimento gravado no dia 22 de maio do ano passado e usado pela acusação fartamente. Agora, acusou a equipe policial de forçá-la a confirmar versão incriminando os réus. Cita especificamente o delegado de Polícia Civil Fabio Peró, titular do Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros).
Atribui a ele frases como “eu sou o mandato”, quando pediu para ver documentos judiciais autorizando a entrada na casa onde morava com o marido e, ainda “me ajuda a te ajudar”, sobre falas para Marcelo Rios, no sentido de comprovar a teoria do Garras para o encontro do arsenal.
“Empurram portão comigo junto, não sabia quem era quem”, disse Eliane durante audiência. “Vim saber que Peró era delegado depois que estava no Garras”, completou.
Dispensada - Eliane fazia parte, no início do processo, da lista de testemunhas do Gaeco, mas foi dispensada, conforme documento anexado no início do mês à ação criminal. "Mudou de postura, passando a proteger os interesses da referida organização criminosa e milícia armada de altíssima periculosidade", diz o texto do órgão policial.
Segundo consta das investigações tornadas públicas, ela chegou a pedir para ser atendida por programa de proteção à testemunha. Ficou cinco dias no Garras, junto os filhos, então com 7 e 5 anos, entre 22 e 27 de maio do ano passado, mas acabou desistindo da cooperação, segundo a versão dos investigadores.
À época, deu depoimento ao Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizando) afirmando que o marido era o gerente do paiol da organização e revelando ameaças para não falar sobre quanto saberia. No dia 21, Na frente do juiz do caso, Roberto Ferreira Filho, da 1ª Vara, na quinta-feira passada, por meio de videoconferência, a história contada foi outra.
Ela disse, ao responder perguntas de defensores, que só ficou na delegacia porque a equipe policial o tempo todo dava a entender que corria risco de vida. A expressão “arrancar a cabeça” fora, conforme Eliane foi ouvida inúmeras vezes pelas crianças, segundo ela, hoje traumatizadas.
A mulher reclamou de arrombamento do portão da casa dela, de não ter sido informada de que se tratava de policiais e ainda de que teve o celular tomado na sede do Garras. Perguntada sobre porque não denunciou isso à época, disse não ter sido perguntada a respeito.
Eliane negou saber da atuação do marido como segurança particular, outra informação diferente do depoimento inicial. À Justiça, disse que sabia dos “bicos” fora da Guarda, mas afirma nunca ter perguntado exatamente onde. Diz também não saber como ele comprou o Uno apreendido na casa deles, considerado prova do envolvimento com a quadrilha investigada.
Duas mulheres – A Justiça também ouviu Liliane Caminha, guarda civil municipal de Campo Grande, que mantinha relacionamento extraconjugal com Marcelo Rios. Eles dividiam uma casa no Bairro Rouxinóis, onde foi encontrada munição no dia da prisão do ex-guarda.
Liliane confirmou que Rios trabalhava como segurança particular, mas também alegou que assinou depoimento com coisas “estranhas” . De acordo com ela, mesmo estando assistida por advogado, assinou o depoimento e depois discordou dos temos. “Estava nervosa, abalada, estressada, fiquei sem comer”, justificou.
O delegado Fábio Peró já foi denunciado em termos parecidos ao Gacep (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial), em junho do ano passado, e inocentado. A mesma versão foi feita à Corregedoria da Polícia Civil e arquivada.
Peró foi ouvido na semana passada, no dia 20, como testemunha de acusação do processo. Ele sempre negou as acusações da esposa de Marcelo Rios e atribuiu as acusações ao desespero da defesa.
Processo - Pouco mais de ano depois da apreensão de arsenal em Campo Grande, a Justiça está fazendo as audiências de instrução do processo, contra seis réus por crimes contra o Estatuto do Desarmamento.
Os depoimentos de testemunhas de acusação e defesa se encerram nesta terça-feira (26). Para esta quarta-feira, está previsto o interrogatório dos seis acusados. Depois, vêm as alegações finais das partes e a partir daí a ação estará apta à sentença do magistrado.