Vítima de advogado fala pela 1ª vez sobre ataque
“Quando o vi com o taco, não acreditei”, conta ex-mulher sobre separação que ex-marido não aceitava
Dos 36 anos de vida, 14 foram em um relacionamento abusivo. A história da acadêmica de Direito, que escapou da morte ontem (3), é muito parecida com a de tantas outras mulheres que estão ou estiveram no típico ciclo da violência doméstica, um loop infinito e difícil de sair. Mas, esta é de uma sobrevivente. Ela viu a vida por um fio e conseguiu fugir de ataque – segundo a vítima, inesperado – do ex-marido, o advogado Erick Gustavo Rocha Teran, 43, que atirou contra a própria cabeça.
A acadêmica de Direito está bem fisicamente, na medida do possível. Passou por cirurgia na Santa Casa de Campo Grande e precisou de placas e pinos no cotovelo esquerdo, onde foi atingida por tiro. O tratamento levará alguns meses. Já a ferida na alma, sabe-se lá quando terá cura.
Por medo, pelos filhos e por mais instruída que seja, ela nunca foi a uma delegacia denunciar qualquer violência que sofreu por parte do marido. Estava presa ao tal ciclo vicioso.
“Mas assim, sabe. Uma pessoa que está num relacionamento desses, não é 100% infeliz. Ele era muito carinhoso, muito apaixonado, falava que me amava várias vezes por dia, fazia meus gostos”, conta.
Nas “fases ruins”, o advogado tinha ciúmes de tudo e de todos. Brigava, xingava, quebrava objetos, como o celular dela.
“Rasgou minha roupa na porta da faculdade, porque não gostava da calça que eu estava usando. Nunca me bateu, mas era ciumento, possessivo, controlador. Ele tinha um ciúme patológico, eu implorei para que ele se tratasse. Não me separei do nada”.
A separação - Há dois meses, ela tentava mais uma vez sair do casamento. Já não aguentava mais as agressões, materiais e psicológicas. A acadêmica de Direito saiu de casa, levando os três filhos, depois de mais um “não”.
Apesar do comportamento, por vezes violento, do ex-marido e do fato dele não aceitar o fim do relacionamento, ela estava decidida, havia tomado coragem e acreditava que desta vez, conseguiria, definitivamente, colocar um fim na relação.
Na tarde dessa segunda-feira (2), um feriado, ela foi ao escritório de Erick para discutir os termos do divórcio – divisão de bens e guarda dos três filhos, por exemplo. Diz que jamais podia imaginar que o advogado tentaria mata-la.
“Nunca acreditei que ele fosse capaz de fazer isso. Quando o vi com o taco, não acreditei que ele estava me batendo. Minutos antes, ele estava dizendo que me amava, me servindo água”.
A vítima se desvencilhou das pancadas pelas costas e foi surpreendida com tiros, um deles no braço esquerdo e antes que o segundo disparo a atingisse, ela conseguiu fugir para uma conveniência, no Jardim dos Estados, próxima ao escritório. O terceiro tiro, a mulher ouviu quando corria.
Erick disparou contra a própria cabeça, foi socorrido e morreu uma hora e meia depois, na Santa Casa.
Apesar de todo o horror, vivido ao longo desses anos de relacionamento e naqueles minutos mais terríveis ainda, a vítima faz questão de registrar: “era um ótimo pai, excelente advogado, um homem acima da média”.
A investigação – Inquérito para apurar o ocorrido tramita na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher). A delegada plantonista, Fernanda Piovano, explica que apesar da morte do suspeito, é preciso dar um desfecho legal para o caso, investigado como tentativa de feminicídio seguida de suicídio. A vítima será ouvida formalmente assim que receber alta.
Acostumada a ver mulheres reféns de homens possessivos, a delegada também deixa o alerta para que outras vítimas, quem sabe, consigam abandonar relacionamentos abusivos o quando antes.
“A partir do momento em que uma das partes está sendo diminuída, está tendo seus diretos e suas vontades rebaixadas pela outra parte, já está havendo um abuso. É um relacionamento que não vai prosperar. Isso não é amor! E pode levar 10, 15 anos, mas isso em algum momento não vai dar certo. Se for como a promessa diz: ‘até que a morte nos separe’, a mulher vai viver infeliz, refém disso”.
*O nome foi omitido a pedido da vítima para preservar os filhos, diante da tragédia familiar.