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Interior

Covid "dizimou" família de Lia, que enterrou três tias em 10 dias

Tia-avó foi a primeira a partir, quatro filhas ficaram internadas, duas morreram e uma segue na UTI

Paula Maciulevicius Brasil | 17/03/2021 12:21
As três da família Pedroso Nascimento que partiram: a mãe Cida e as filhas Alair e Edna. (Foto: Arquivo Pessoal)
As três da família Pedroso Nascimento que partiram: a mãe Cida e as filhas Alair e Edna. (Foto: Arquivo Pessoal)

"Uma família dizimada por uma doença maldita". As palavras em tom de desabafo, mas também de revolta, saem de Lia Nogueira. A jornalista e também vereadora em Dourados, cidade 233 quilômetros de distância da Capital, enterrou duas tias e sepulta a outra logo mais, às 13h. Todas morreram de covid-19 em um intervalo de 10 dias.

No jornalismo, Lia noticiou casos de covid desde o início da pandemia e hoje vê a própria família sendo vítima.

"É um sentimento de revolta, de indignação, de impotência, de derrota. Eu sabia que poderia chegar a esse ponto, mas você passar isso na sua família é devastador", fala a jornalista de 46 anos.

As tias moravam todas no mesmo terreno, na cidade de Dourados. O parentesco entre elas era de mãe e filhas e, em relação à Lia, tia-avó e duas primas, mas que pela criação, também eram chamadas de tia pela jornalista.

Da esquerda para a direita: tia Alair, Zilá (única que teve alta), Lia, Cida e Edna. (Foto: Arquivo Pessoal)
Da esquerda para a direita: tia Alair, Zilá (única que teve alta), Lia, Cida e Edna. (Foto: Arquivo Pessoal)

"A tia Cida era minha tia-avó e a tia Edna e tia Alair, minhas primas, mas como elas não se casaram, nos adotaram como as filhas que não tiveram", explica Lia. Todas estavam tomando os cuidados e não saíam de casa. Houve apenas uma situação, quando a matriarca Aparecida Pedroso Nascimento, de 94 anos, foi levada por uma outra filha, Zilá, até o médico.

"Pelo que tudo indica, a tia Zilá foi levar a tia Cida ao médico e elas teriam pego no hospital, porque elas se cuidavam muito, não saíam de casa. Todas eram do grupo de risco", narra. A primeira a ter sintoma foi a filha Zilá, que de imediato cortou as visitas à casa da mãe. "Mas ela não sabia que já tinha passado. Ela foi a primeira a ir para a UTI e até o momento a única que conseguiu escapar e ter alta", diz Lia.

Apesar dos 94 anos de idade, dona Aparecida era saudável e tinha inclusive tomado a primeira dose da vacina contra a covid. Não houve tempo para a imunização ficar completa. "Tiveram de intubar pela idade, porque ela estava respirando com dificuldade, aí ela faleceu no dia 6 de março", conta a sobrinha.

Neste meio tempo, as filhas de Aparecida, Edna Pedrozo do Nascimento, de 67 anos, Alair Pedro do Nascimento, de 69 anos e Darci Pedrozo do Nascimento de 61 anos, também contraíram a covid e foram para a UTI.

Registro de uma das últimas comemorações da família, na foto tia Cida e tia Edna. (Foto: Arquivo Pessoal)
Registro de uma das últimas comemorações da família, na foto tia Cida e tia Edna. (Foto: Arquivo Pessoal)

"Elas se agravaram e foram intubadas. A tia Darci não tinha leito de UTI aqui em Dourados, demorou 48h para surgir", lembra Lia. Cida estava internada no Hospital Evangélico, Alair e Edna no Hospital da Cassems e Darci foi levada para o Santa Rita.

A primeira infectada teve alta, dona Zilá que hoje está a base de remédios. No dia 6 de março, morreu Cida, depois Edna no dia 14 e ontem (16), Alair. "Não tem horário para enterrar, a tia Alair vai ser enterrada hoje à tarde. A tia Darci continua internada em estado grave e intubada lutando".

Lia está afastada tanto do trabalho como jornalista quanto na Câmara de Vereadores de Dourados. "Não tenho condições, porque os nossos laços eram muito fortes. Elas me criaram, a gente morava tudo no mesmo quintal e cada uma tinha um papel fundamental na minha vida, a tia Alair foi quem me alfabetizou", exemplifica.

Professoras da rede estadual, Edna e Alair trabalharam como décadas em Dourados, eram funcionárias concursadas e efetivas "Elas eram muito conhecidas, fizeram história na cidade, educaram e formaram muitas pessoas aqui", descreve Lia.

O cortejo até o cemitério Santo Antônio de Pádua, do dia do enterro de Edna, foi enorme. A sobrinha fala que é impossível descrever o sentimento de ver tantos carros atrás da funerária e poucos entrarem no cemitério.

Professoras da rede estadual, Edna e Alair fizeram história na educação de Dourados. (Foto: Arquivo Pessoal)
Professoras da rede estadual, Edna e Alair fizeram história na educação de Dourados. (Foto: Arquivo Pessoal)

"Que desgraça de doença é essa, você percebe que os carros vão embora e só ficam os parentes mais próximos. As pessoas têm medo. É horrível, horrível. Eu até então acompanhava pela televisão, não tinha ido a nenhum enterro de covid e é um pesadelo, parece que você está num filme de terror, porque fica à distância, o caixão já vem lacrado, a pessoa está ali nua enrolada num saco lacrado, os coveiros todos com aquelas roupas. É um horror a gente não pode se aproximar".

A tia que ficou ainda tem de lidar com a culpa, de achar que foi ela quem passou a covid e matou a mãe e as irmãs. "Nosso desespero agora é para que Deus faça um milagre para a tia Darci, que ainda está internada, sair dessa. Se não a tia Zilá não vai suportar".

Mato Grosso do Sul bateu hoje o recorde de mortes, segundo boletim da secretaria estadual de saúde, foram 42 mortes nas últimas 24h.

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