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Interior

Defensoria encontra situação caótica no maior hospital do interior

Após vistoria ontem no Hospital da Vida, defensora diz que unidade só tem condições de funcionar parcialmente

Helio de Freitas, de Dourados | 19/08/2019 16:01
Movimentação em frente ao Hospital da Vida, em Dourados (Foto: MS em Foco)
Movimentação em frente ao Hospital da Vida, em Dourados (Foto: MS em Foco)

Em nova vistoria, feita na noite de ontem (19), a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul confirmou o caos instalado na saúde de Dourados, maior cidade do interior e responsável pelo atendimento do SUS (Sistema Único de Saúde) a moradores de 33 municípios da região.

Relatório de 11 páginas elaborado pela defensora pública Mariza Fatima Gonçalves, ao qual o Campo Grande News teve acesso, traz detalhes da situação de abandono em que se encontra o Hospital da Vida, maior unidade “de porta aberta” do interior e referência em atendimento e urgência e emergência para uma região com pelo menos 800 mil habitantes.

Pacientes infectados com superbactéria expostos a condições desumanas, pessoas esperando atendimento no corredor, falta de insumos e medicamentos, área de descanso dos profissionais tomadas pelo mofo devido a vazamentos e funcionários “fantasmas”, que só aparecem para receber o salário. Essa é a realidade encontrada na vistoria.

Advogada passa mal – Além da defensora Mariza Gonçalves, estiveram no hospital o assessor jurídico Rafael Dias Figueiredo e a presidente da Comissão de Saúde da 4ª Subseção da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Heleza Izidoro.

A advogada, no entanto, teve de abandonar a vistoria antes do fim do trabalho depois de passar mal em decorrência das condições verificadas no hospital gerenciado pela Funsaud (Fundação de Serviços de Saúde), órgão que faz parte da estrutura da prefeitura.

Desde junho deste ano a Funsaud está sob intervenção da prefeitura, mas a interventora é a própria secretária municipal de Saúde, Berenice Machado de Souza.

Faltam condições e profissionais - “Constatamos que a instituição atualmente possui condições parciais de funcionamento, além de higiene comprometida, falta de insumos e medicamentos básicos, e condições físicas inadequadas do local em função da reforma iniciada e paralisada”, afirma a defensora pública no relatório.

Mariza Gonçalves continua: “é imprescindível tomada de providências urgentes para a adequação no número de médicos e profissionais de enfermagem a fim de garantir qualidade e segurança durante a prestação da assistência”.

A defensora apontou ainda a necessidade de visitas e inspeção de retorno para averiguar as providências adotadas pela instituição “de modo a garantir assistência segura e livre de situações que possam incorrer em imperícia, negligência ou imprudência que comprometam a saúde e a vida dos pacientes”.

Denúncia – De acordo com a Defensoria Pública, a visita de ontem foi motivada após denúncias de parentes da paciente Luciene Gois da Silva, que morreu sexta-feira (16) no Hospital da Vida. Na denúncia, eles relataram que devido à falta de pagamento ao laboratório não estavam sendo feito os exames de Luciene e de outros pacientes internados na enfermaria cirúrgica.

“Logo na entrada do hospital, em local inapropriado, aberto, próximo ao corredor, encontrava-se a paciente Angelina Nogueira Pinho (72 anos) de Itaquiraí/MS, apresentando quadro de úlcera sacral infectada – feridas abertas e relatando falta de ar, sob o uso de soro e antibióticos para tratamento de infecção bacteriana”, afirma o relatório.

A defensora cobra local para permanência de pacientes esperando atendimento e transferência. Segundo ela, o local usado atualmente é “totalmente inapropriado”, pois expõe o paciente a constrangimento por ser local aberto, anexo a um corredor de entrada do hospital, sem qualquer privacidade, além do risco de infecções.

Segundo Mariza Gonçalves é necessária a alocação de leitos em caráter de urgência em local adequado “para minimizar os impactos negativos para assistência do paciente e a negligência durante sua estada na instituição”.

Pelo menos quatro pacientes foram encontrados em macas no corredor próximo à área vermelha e todos relataram já terem sido atendidos por médico, diferente do verificado na vistoria da semana anterior.

Enfermaria – Foi na enfermaria que a vistoria de ontem encontrou o pior cenário. “Vistoriamos primeiro o quarto 6 da ortopedia. Assim que entramos no quarto, sentiu-se um abafamento muito grande. O ar condicionado, embora ligado, estava sem funcionamento e não há janelas no local. Lá estavam internadas duas pacientes. Apenas após termos entrado no quarto foi nos dado conhecimento que as duas pacientes encontram-se infectadas com bactérias resistentes, sendo que umas das pacientes está acometida de grave infecção bacteriana de difícil controle”, afirma o relatório.

Uma das pacientes, Simone Leite Carneiro, de 60 anos, de Deodápolis, narrou dificuldade com a realização de exames médicos. Apenas após ela denunciar o caso à ouvidoria do Hospital da Vida os exames foram colhidos, mas os resultados demoraram para ser entregues.

O relatório cita que a paciente passou por cirurgia ortopédica, estando com pinos na tíbia e no calcanhar. Após o procedimento foi acometida com infecção bacteriana, denominada osteomelite crônica, na perna esquerda.

A segunda paciente, Oracy Rodrigues dos Santos, 73, de Dourados, deveria estar em isolamento, segundo informou à equipe de vistoria uma enfermeira que pediu para não se identificar por medo de represálias. O diagnóstico de Oracy também é de osteomelite crônica, em razão de fratura no fêmur direito.

“Ambas pacientes reclamaram estar sofrendo por conta da ausência de ar condicionado e ventilação no quarto, vez o local do osso qual se encontra infeccionado incomoda muito mais com o suor”, afirma o relatório.

O banheiro do quarto está em precárias condições, com mofo e odores fortes. A paciente Luciene, morta na sexta-feira em razão de infecção bacteriana, permaneceu por longo tempo internada nesse quarto.

“Indagamos às enfermeiras, que confirmaram a situação e expressaram a preocupação, pois o ar condicionado, para pacientes com infecção, em geral, é primordial, principalmente nos casos das duas pacientes com infecções nos ossos, sendo o ambiente refrigerado de grande importância no tratamento”, afirma a defensora.

Logo após a vistoria no quarto 6, a presidente da Comissão de Saúde da OAB precisou se ausentar por estar passando mal durante as visitas.

A vistoria continuou nas demais dependências do hospital, onde a situação caótica se repete – quartos sem ar condicionado, pacientes esperando exames, sanitários precários, paredes tomadas pelo mofo inclusive no espaço destinado para descanso dos funcionários da enfermagem e mobiliários enferrujados.

Sem horas extras – A defensora pública também cita relatos de profissionais de enfermagem que afirmaram terem de trabalhar além da carga horária, sem receber horas extras – suspensas pela direção do hospital – para cobrir a falta de outros funcionários. Houve relato até do caso de uma enfermeira que seria “fantasma”, ou seja, está contratada no local, mas não aparece para trabalhar.

“O déficit de médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem representa risco aos pacientes, vez que acarreta sobrecarga de trabalho, levando a aumento dos riscos de negligência, imperícia e imprudência, improvisação na assistência, estresse físico e psicológico gerado pelo desgaste emocional em trabalhar sob pressão”, afirma a defensora.

A vistoria à enfermaria cirúrgica foi suspensa antes de serem verificados os demais quartos porque um dos pacientes entrou em surto, ficou bastante agitado e agressivo com as enfermeiras e com o acompanhante, querendo sair à força do hospital.

“Não havia médico na área verde para prescrição de medicação ao paciente em surto. Esta defensora solicitou a enfermeira que providenciasse um médico da outra área para atender o caso do paciente e suspendeu as visitas aos quartos e entrevistas na enfermaria cirúrgica”.

“As condições de trabalho disponibilizadas aos médicos e, principalmente aos profissionais de enfermagem são totalmente inadequadas. Os profissionais de enfermagem entrevistados narraram que faltam produtos básicos, como insumos para higienização/lavagem adequada das mãos, como sabão líquido desinfetante, papel toalha, além de não haver álcool gel e lavabos”, afirma o relatório.

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