ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, QUINTA  21    CAMPO GRANDE 26º

Interior

Entre liminares e tiros, área reclamada por índios é marcada por mortes

Caroline Maldonado | 30/08/2015 12:25
Famílias inteiras participam de retomada em área, cuja demarcação foi homologada, mas não houve desapropriação (Foto: Marcos Ermínio)
Famílias inteiras participam de retomada em área, cuja demarcação foi homologada, mas não houve desapropriação (Foto: Marcos Ermínio)

Ocupação, invasão e retomada. Identificação, demarcação e homologação. Termos que perdem força diante da palavra morte e chamam atenção para um conflito que dura 60 anos, em Antônio João - a 279 quilômetros de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. O local agora é marcado pela morte de mais um indígena em confronto, decorrente da reivindicação por 9.317 hectares, cuja demarcação chegou até a ser homologada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005.

De lá para cá, o processo é marcado por um vai e vem de liminar, despejo, mandado de segurança e tiros de armas de fogo. Isso, porque o que os índios chamam de Ñande Rú Marangatu, os ruralistas chamam de fazenda e usam os nomes ali escolhidos pelos seus pais e avós, que adquiriram, legalmente, os títulos de propriedade das terras.

Enquanto os Guarani e Kaiowá afirmam que vivem ali desde sempre e há décadas brigam pela terra tradicional, os fazendeiros garantem que nunca tiveram problema com os índios e a relação sempre foi tranquila com as famílias indígenas, que por muito tempo viveram em um pedacinho de terra de 26 hectares, denominado aldeia Campestre, destinado pelo Incra (Instituto Nacional de Reforma Agrária), em 1999.

Colonização - Os relatos são desencontrados, porque os índios perderam a posse dos territórios com a colonização. O auge dessas ocupações por colonos foi na década de 50, no governo do então presidente da República Getúlio Vargas (1951-1954). Laudos antropológicos feitos por perícias determinadas pela Justiça explicam que a expulsão dos índios pelos colonos ocorreu com apoio da União. Para promover o desenvolvimento da região, o governo concedeu títulos de propriedade a colonos e por isso, os índios foram transferidos para outros espaços, chamados de Reserva Indígena ou aldeia.

As primeiras fazendas de gado, chegaram com o fim do ciclo ervateiro, em 1941, marcado pela concessão de uma extensão de terra à Companhia Matte Larangeiras, para a exploração da erva-mate. Nesse tempo, o contrato alcançou a extensão de 5 milhões de hectares no sul de MS. Após término da concessão, o Governo Federal criou a Cand (Colônia Agrícola Nacional de Dourados). Então, em 1990, houve o avanço da agricultura mecanizada, nas culturas de soja, cana e milho e os indígenas que ainda residiam em pequenas áreas de mata nativa foram descobertos e obrigados a se retirar, de acordo com estudos antropológicos.

Disputa - Em 1988, a nova Constituição Federal assegurou o direito dos índios de reaver seus territórios tradicionais e estabeleceu um prazo de cinco anos para que ocorresse a regularização fundiária, mas nada mudou até então. Hoje, as mortes, sejam por assassinato ou em função de más condições de vida, são classificadas pelos índios como genocídio ou etnocídio. Antropólogos e historiadores chamam de “confinamento" dos Guarani Kaiowá o processo que desencadeou essa disputa.

Os fazendeiros têm seus discursos baseados em duas frentes. Ora falam em indenização da terra nua e benfeitorias para deixar as fazendas e encerrar a briga, ora contestam os laudos antropológicos e querem que as demarcações sejam revistas. Ambos se queixam de inúmeras promessas e descaso por parte do Governo Federal.

Confinados em Reserva de  26 hectares, índios reivindicam 9.317 hectares (Foto: Marcos Ermínio)
Confinados em Reserva de 26 hectares, índios reivindicam 9.317 hectares (Foto: Marcos Ermínio)

Retomada - A morte de Semeão Fernandes Vilhalva, 24 anos, ontem (29) à tarde, marca mais um capítulo da história em que os índios reclamam as mortes de seus parentes e fazendeiros se queixam de enormes prejuízos materiais com invasões nas fazendas Piqueri, Cedro, Primavera, Brasil, Fronteira e Barra, localizadas em Antônio João, município de fronteira com Paraguai. Por lá, os índios começaram com o que chamam de retomada de seu Tekohá, em 2004, ocupando cerca de 500 hectares do total de quatro fazendas.

No ano seguinte, o presidente Lula homologou a demarcação da terra indígena Ñande Ru Marangatu. Ainda assim, depois de mais disputa no âmbito jurídico, a Polícia Federal despejou os índios, conforme determinação da Justiça Federal. Os Guarani Kaiowá foram para acampamentos às margens da rodovia MS-384, que liga Antônio João e Bela Vista. Lá, Dorvalino Rocha foi assassinado a tiro no dia 24 de dezembro de 2005.

Depois de seis meses acampados ali, em dezembro de 2005, o grupo com 500 pessoas foi removido para cerca de 100 hectares, a partir de acordo judicial intermediado pelo MPF (Ministério Público Federal). Em 2007, Hilário Fernandes, liderança religiosa da aldeia “Campestre”, foi atropelado durante protesto na MS 384. Cansados de esperar, os índios ocuparam seis fazendas no dia 22 de agosto e foram expulsos de duas delas pelos fazendeiros ontem (29), dia em que foi confirmada pelo DOF (Departamento de Operações de Fronteira) a morte de Semeão. Agora, equipes do DOF e da Força Nacional escoltam os produtores rurais nas sedes das fazendas Barra e Fronteira.

Nos siga no Google Notícias