Família de homem que morreu espancado cobra R$ 3,2 milhões de americano
Vítima com deficiência intelectual chamou criança de "gostosa" e acabou sendo vítima da raiva do pai da menina
Em julho de 2023, quando morreu depois de ser violentamente espancado, Roberto Gomes da Silva tinha 56 anos, mas mentalidade de uma criança de seis. Nascido com deficiência intelectual, ele estava na Fazenda Cachoeira, onde um de seus nove irmãos trabalhava, em Anastácio, quando chamou uma criança, na época com oito anos e neta da dona da propriedade, de “gostosa”.
O pai da menina, Travis A Yunis, americano que passava as férias na casa da sogra, ficou transtornado e começou a dar socos em Roberto e bater sua cabeça contra o chão. Ninguém no local impediu e a vítima foi encaminhada para atendimento médico, passou por cirurgia, mas morreu seis dias depois por traumatismo craniano. Inconformados com o caso e a falta de assistência, os irmãos acionaram a Justiça e pedem indenização que totaliza R$ 3,2 milhões.
Segundo o advogado da família, Itamar Souza, a situação foi desproporcional ao fato, uma vez que a vítima, apesar de ser adulto, tinha mentalidade infantil devido à incapacidade mental, definida na Classificação Internacional de Doenças, a CID, com o número F71, que é retardo mental moderado, cuja capacidade de pensamento corresponde a uma criança entre seis e nove anos de idade.
Segundo a petição dos irmãos de Roberto, “o autor do homicídio, qual possui origem estadunidense, se prontificou em fugir o mais rápido possível para os Estados Unidos, país de origem, fugindo do território brasileiro, a fim de se esquivar das autoridades brasileiras, sendo acobertado pelos réus”.
A petição cobra também os donos da fazenda onde ocorreram os fatos: Clarice Barbosa Iudice e José Roberto Iudice, respectivamente sogra e cunhado de Travis. Eles são fazendeiros em Mato Grosso do Sul e em São Paulo, além de terem empresas de mineração.
Na fase de inquérito, quando o caso estava nas mãos da Polícia Civil, Travis Yunis, junto com a advogada Bárbara Siqueira Furtado, prestou depoimento na delegacia, em abril de 2024, nove meses depois do crime. Ele disse que estava dormindo quando ouviu sua filha chorar e sua esposa desesperada.
A criança havia saído pela fazenda para brincar com uma amiguinha, mas voltou nervosa e contando que “estava brincando, na área das casas dos funcionários, quando chegou um homem e começou a passar a mão em seus cabelos, e falava que ela era gostosa e em determinado momento passou a mão na vagina”. As crianças então correram para a sede da fazenda, quando Travis acordou e foi saber o que havia acontecido.
Ele então saiu para ver quem era o autor do abuso contra sua filha e perguntando onde estava o homem. Roberto estava numa área na frente de uma casa e Travis disse que não o conhecia e nem sabia que se tratava de irmão de funcionário da fazenda. “Que se lembra apenas de ter chegado e perguntado o porquê de ter feito aquilo com sua filha e que o homem disse que não era ele".
“Fiquei muito nervoso e com raiva e não consegui mais escutar as pessoas perto de mim e dei um soco nele. Quando bati nele, ele caiu e eu caí junto por cima dele”, contou aos policiais. Depois disso, percebeu que a vítima “não estava normal” e se assustou com o resultado da queda e muitas pessoas se juntaram por perto.
Como a menina não parava de chorar, resolveram ir embora e, dias depois, retornou para os Estados Unidos, onde ficou sabendo que Roberto havia morrido.
No processo de pedido de indenização, o autor não foi encontrado pela Justiça em nenhum endereço para ser notificado e sua citação como réu foi feita por citação publicada no Diário Oficial do Tribunal de Justiça. Não há advogado constituído nestes autos.
No trâmite do inquérito civil, o Ministério Público se manifestou informando que vai tomar depoimento especial da amiguinha que acompanhava a filha do americano no dia dos fatos para entrar com ação cautelar de produção antecipada de provas, considerando ser este “fundamental para apuração do fato em todas suas circunstâncias”. Por conta disso, o procedimento encontra-se suspenso.
Indenização - O pedido de indenização chega a R$ 3,2 milhões porque R$ 2 milhões seriam relativos a danos morais individuais e danos psicológicos correspondendo a R$ 250 mil por cada irmão lesado; danos materiais de R$ 200 mil; e danos morais coletivos no valor de R$ 1 milhão, “a serem designados às Associações em Nível Nacional e Estadual de Defesa às Pessoas com deficiência”.
Conforme a defesa da família de Roberto, os donos da Fazenda Cachoeira, onde os fatos ocorreram, foram omissos e deram cobertura para a “fuga” do genro e do cunhado, por isso também figuram como réus.
Itamar Souza alega ainda na petição que após a morte do irmão, “que simbolizava a união e a felicidade que todos tinham em comum” houve “danos imensos à família, que não terá mais motivos para comemorar os dias especiais com a ausência de um ente tão querido por todos”.
O Campo Grande News entrou em contato no fim de semana, via e-mail, com a advogada do americano, Bárbara Siqueira, e aguarda retorno.