Índios ocupam sedes, mas "cuidam" de fazendas e não quebram as xícaras
Nos três dias que a equipe do Campo Grande News permaneceu na área de conflito nas fazendas ocupadas pelos índios Guarani Kaiowá (Piquiri, Cedro, Primavera, Barra e Fronteira) e reocupadas pelos produtores (Fronteira e Barra), no município de Antonio João, (279 km de distância da Capital) a curiosidade maior era saber como estavam as condições das sedes das propriedades, uma vez que o boato divulgado na cidade era que os indígenas “invadiam” e destruíam tudo pela frente, quebrando e queimando tudo.
Assim, a reportagem decidiu visitar as sedes das fazendas ainda não contatadas, que ficam também vizinhas a aldeia Marangatu em que estariam ocupadas pelos indígenas. Primeira fazenda a ser visitada foi a Piquiri, na manhã da terça-feira, a mais próxima do centro da cidade, cerca de 8 quilômetros na BR 384, no sentido Bela Vista.
O Campo Grande News foi a única equipe a estar em todas as sedes ocupadas pelos indígenas. Na Piquiri, tudo abandonado, da invernada à casa do empregado da propriedade, que fica a cerca de 2 quilômetros do asfalto.
Nem sinal de índio naquele dia, a não ser vestígios que ali teria sido carneada uma vaca para alimentação daqueles que permaneceram no local. Pouco antes de chegar na única casa da propriedade, imóvel simples de quatro cômodos, em que havia até um rádio em um dos quartos, havia uma cabeça e restos de um animal, abatido no local, com a carcaça sendo consumida por urubus. Pelo brinco na orelha foi possível observar tratar-se de animal rastreado.
Primavera – Uma das mais belas propriedades ocupadas pelos indígenas tem tudo a ver com o nome, Primavera. Com cerca de 2.300 hectares, a fazenda tem na pecuária a atividade principal, com animais nelore PO (puro de origem), gado bonito e bem tratado, cerca de três mil cabeças, segundo informações dos próprios índios, uma vez que alguns dos ocupantes já trabalhavam como empregados no local antes da ocupação.
Para conseguir entrar nesta propriedade que fica a cerca de 8 quilômetros do centro de Antonio João, a reportagem entrou na primeira porteira às margens da rodovia federal, que estava com um cadeado semi-aberto. Na segunda porteira, a 200 metros da primeira entrada, tivemos que descer do veículo e conversar com as lideranças que faziam a guarda e estava na casa do gerente da fazenda.
Depois de alguns minutos de conversa com os indígenas, que gravavam tudo pela câmera do celular, a equipe foi liberada a entrar. Uma das mulheres indígenas reconheceu os três integrantes do Campo Grande News durante o velório e sepultamento do indígena Simeão Vilhalva, ocorrido no domingo e segunda-feira, respectivamente.
A partir daí, conseguimos com que o líder, que vigiava esse imóvel, levasse-nos até a sede da Primavera, mais uns três quilômetros de estrada de terra batida e muito pedregulho, com muita morraria, lugar que exalta a natureza, mesmo com a pastagem seca.
Cerca de 15 minutos depois, a equipe chegou à sede, onde estão a casa central, um local dos maquinários, e pelo menos mais duas casas menores nas redondezas. Nos fundos desse imóvel maior, criação de galinhas espalhadas pelo quintal e um chiqueiro com pouco mais de 10 porcos, sendo sete leitões.
Já na entrada, perto da porteira da sede, um trator BH145, da Valtra, novinho e de alta tecnologia, com uma lâmina na frente e na traseira equipamentos para puxar carretas e arados para a terra. “Nós usamos o trator para levar sal nos cochos para o gado”, comentou um dos indígenas que operava a máquina. Segundo ele, mais dois patrícios sabiam pilotar o veículo.
Uma professora indígena que integrava o grupo dos indígenas que estava cuidando a casa da sede, sempre se preocupava em dizer que eles não queriam estragar nada no local. “Não queremos nada do que está aqui e muito menos destruir o que não é nosso. Queremos somente a terra”, afirmou.
Ao entrar no interior da casa da sede, a equipe pode observar que realmente eles não queriam mesmo destruir as coisas. Um móvel com pratos decorativos e uma cristaleira no primeiro cômodo da entrada da casa cheia de xícaras e utensílios de porcelana intactos. A TV de 32 polegadas em outra sala também em inteiro estado de funcionamento. Estava desligada por falta de energia, uma vez que os produtores derrubaram dois postes de energia que levava luz à sede.
Além do imóvel e objetos em perfeito estado, os indígenas ainda estavam dando milho aos porcos, e levando sal nos cochos para o gado para que os animais não ficassem com fome. Outra preocupação dos índios era trazer o gado do fundo da propriedade, que faz fronteira com o Paraguai, dividido apenas por um rio, de nome Estrelão. “Estamos trazendo os animais mais para perto da sede para evitar o abate, uma vez que os índios paraguaios estariam matando o gado do lado do Brasil”, destacou um dos líderes da ocupação.
Como o trator novinho, também encontramos um engenho para moer cana, ainda nunca usado pelos donos e nem pelos índios. Se os indígenas quisessem queimar qualquer equipamento ou máquina dentro da propriedade não seria por falta de óleo diesel. Um reservatório na casa de máquinas da fazenda estava praticamente cheio, além de dois tambores de plásticos que estavam cheios.
Para os índios, os bens móveis e equipamentos não interessavam a eles, “apenas a terra.” Questionados sobre a possibilidade de o dono querer retirar o gado, um dos líderes destacou que não haveria qualquer problema, desde que fosse preparado bem uma operação para o manejo dos animais.
Na sede da Fazendo Cedro, também ocupada, que fica no caminho que leva a Fazenda Fronteira, apenas o canto de uma mesa de vidro quebrado, um pouco bagunçado em razão de os indígenas estarem usando os cômodos para dormir.
A equipe só não conseguiu acesso às sedes das duas fazendas reocupadas pelos proprietários, a Fronteira e a Barra. Por isso, não foi possível saber realmente o estado dos moveis e utensílios, apenas ouvimos dos produtores que estavam tudo quebrado.
Em relação aos boatos que índios teriam ateado fogo “geral”, a reportagem viu algumas barreiras nas estradas de entrada das fazendas com arames de pneus queimados e a parte da porteira da entrada da Fazenda Piquiri que havia sido queimada. A equipe não encontrou imóveis queimados.
No trajeto entre a rodovia e a sede da Fronteira, cerca de 6 quilômetros, parte das passagens “mata-burro” tiveram retirados alguns paus, ficando intransitável. Para seguir, os veículos passam pelas laterais, em porteiras abertas ou cercas cortadas.