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Interior

Lembrados por Lula, indígenas vivem na miséria em acampamentos precários

Em sete acampamentos no entorno da reserva de Dourados, os guaranis-kaiowás não têm nem mesmo água tratada

Por Helio de Freitas, de Dourados | 12/04/2024 16:17
Indígenas durante ocupação de área particular ao lado da reserva de Dourados (Foto: Campo Grande News)
Indígenas durante ocupação de área particular ao lado da reserva de Dourados (Foto: Campo Grande News)

Povos indígenas que vivem em condições precárias sob barracos em acampamentos no município de Dourados mereceram destaque no discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante agenda desta sexta-feira (12), em Campo Grande.

Lula propôs ao governador Eduardo Riedel (PSDB) a compra de terras em parceria com o Governo Federal para salvar os indígenas. “Se achar as terras, pode me telefonar a hora que quiser, para que a gente recupere a dignidade do povo”, afirmou.

A promessa do presidente é vista como esperança para dezenas de famílias que há quase uma década ocupam áreas no entorno das aldeias Bororó e Jaguapiru, na região norte da cidade. Encravados entre a reserva e condomínios de luxo, os guaranis-kaiowás esperam a boa vontade do governo para uma vida mais digna.

São pelo menos sete acampamentos, chamados pelos indígenas de “retomadas”, no entorno da Reserva Indígena de Dourados, criada em 1917. Oriundas das aldeias locais e de outras comunidades da região sul de Mato Grosso do Sul, as famílias começaram a se instalar há quase uma década em terras de posse de sitiantes e fazendeiros.

O número exato de famílias morando nessas “retomadas” é desconhecido, mas, segundo entidades que lutam pelos guaranis-kaiowás, são centenas de pessoas, principalmente crianças.

Nesses acampamentos não há rede de água tratada, não tem esgoto e apenas um deles tem rede de energia elétrica. Os moradores afirmam que o atendimento de saúde é precário e constantemente faltam alimentos para garantir a sobrevivência com dignidade.

Indígena ferido por bala de borracha em confronto ocorrido em 2020 (Foto: Cimi)
Indígena ferido por bala de borracha em confronto ocorrido em 2020 (Foto: Cimi)

Confrontos – Se não bastassem as dificuldades comuns de se morar em acampamento, os indígenas das retomadas também convivem com o medo. As áreas de ocupação no entorno da reserva de Dourados já foram palcos de vários confrontos sangrentos entre indígenas e seguranças particulares contratados pelos proprietários rurais, chamados pela comunidade de “jagunços”.

É nessas áreas que circula o “caveirão”, um trator coberto com barras de aço usado pelos produtores rurais para percorrer as roças de soja e milho.

Os guaranis-kaiowás afirmam que o trator serve para ataques armados contra a comunidade. Os sitiantes alegam que a proteção no maquinário é para garantir a segurança dos trabalhadores durante o cultivo das roças.

Personagem mais conhecido das retomadas é Magno de Souza, que foi candidato ao Governo de Mato Grosso do Sul pelo PCO (Partido da Causa Operária). Morando em acampamento na margem da Avenida Guaicurus, teve a candidatura impugnada pela Lei da Ficha Limpa (condenação por furto qualificado), mas antes chegou a participar de debates com os demais candidatos.

No ano passado, apontado como um dos líderes da ocupação de terreno onde estava sendo construído condomínio de luxo, Magno foi preso junto com outros indígenas. Solto depois por habeas corpus do STJ (Superior Tribunal de Justiça), teve de usar tornozeleira eletrônica e se afastar da luta pela terra.

Magno Souza, que foi candidato a governador, descasca mandioca em acampamento (Foto: Helio de Freitas)
Magno Souza, que foi candidato a governador, descasca mandioca em acampamento (Foto: Helio de Freitas)

Frente parlamentar – A proposta do presidente da República coincide com estudo da Frente Parlamentar em Defesa da Solução de Conflitos entre Indígenas e Proprietários de Terras, montada no ano passado pela Câmara de Vereadores de Dourados para buscar uma solução para os conflitos.

“O presidente Lula tem conhecimento do trabalho que fizemos desde setembro do ano passado, o governador Eduardo Riedel também está a par. Entre as soluções que vamos apresentar no relatório é a compra de terras. Já conversamos sobre o assunto com o coordenador da bancada federal, deputado Vander Loubet”, disse ao Campo Grande News o vereador Rogério Yuri (PSDB), presidente da Frente Parlamentar.

Segundo ele, o problema enfrentado por indígenas e sitiantes de Dourados também já vem sendo discutido com o Ministério dos Povos Indígenas, com a Funai, Procuradoria da União e Defensoria Pública da União.

“Existem diversos documentos que encaminhamos solicitando terras devolutas aqui no estado, bem como a compra de terras, para que produtores e indígenas sejam atendidos. Alguns produtores estão dispostos a entregar as áreas, desde que sejam recompensados pela terra e pelas benfeitorias”, afirmou Yuri.

Segundo o vereador, até agora, são pelo menos 50 proprietários de áreas impactadas pelas ocupações na região norte de Dourados. “Já conversamos com os indígenas por três vezes no ano passado e firmamos acordo de não agressão dos dois lados. A compra de terras e uso de terra devoluta é uma saída. O governador já nos garantiu que vai ajudar”, informou.

Com atuação direta nas áreas, Marcelo Salles Batarce, do Coletivo Terra Vermelha, afirma que a reclamação dos indígenas é de que não estão sendo ouvidos nas negociações conduzidas pela Frente Parlamentar. “Eles querem ser ouvidos, estão cansados de viver em situação precária, com medo, porque os ataques não param”.

O vereador Rogério Yuri afirmou que, dentro do acordo fechado no ano passado, os produtores retiraram os seguranças das áreas, o que garantiu economia de pelo menos meio milhão de reais, segundo os proprietários.

“Não podemos parar no meio. É só o início da caminhada. O que não podemos é deixar o assunto cair no esquecimento como já aconteceu por diversas vezes quando outras autoridades se posicionaram empenhando apoio e busca de solução, mas, com passar do tempo, a situação caiu no esquecimento. Temos que insistir na busca da solução final”, pediu o vereador.

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