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Interior

Nem pandemia segura matadores e ano foi mais uma vez sangrento na fronteira

Linha Internacional entre Ponta Porã e Pedro Juan tem guerra permanente pelo controle do tráfico

Helio de Freitas, de Dourados | 26/12/2020 08:23
Quatro corpos encontrados em cova rasa na Linha Internacional (Foto: Arquivo)
Quatro corpos encontrados em cova rasa na Linha Internacional (Foto: Arquivo)

Em 2019, pelo menos 250 pessoas foram executadas na sangrenta Linha Internacional entre Mato Grosso do Sul e o departamento (equivalente a Estado) de Amambay. A maioria das mortes ocorreu em Pedro Juan Caballero, capital de Amambay, e Ponta Porã (MS), a 323 km de Campo Grande.

Neste ano de 2020, a história se repetiu. Corpos jogados em estradas desertas, enterrados em covas rasas e carbonizados se juntaram às dezenas de execuções à luz do dia, no meio da rua, na frente de casa ou dentro de carros. Nem a blindagem é garantia de vida na fronteira dominada pelo crime organizado.

A única diferença entre 2019 e 2020 é que agora o número de execuções é desconhecido. Nenhum órgão de segurança dos dois lados da fronteira faz essa contagem. Em Mato Grosso do Sul até existe a estatística de homicídios, mas a polícia não separa as execuções dos “assassinatos comuns”.

Se o cidadão for morto com cem tiros de fuzil em plena Avenida Brasil ou com tiro de calibre 22 durante briga de bar no Marambaia, as mortes são contabilizadas na mesma estatística.

Do lado paraguaio a situação é ainda pior, quase impossível obter informações sobre número de homicídios. “A Polícia Nacional só pensa em dólar”, disse recentemente um repórter paraguaio.

Mas neste momento o leitor do Campo Grande News deve estar se perguntando: se houve contagem do número de assassinatos em 2019 por que não existiu em 2020?

Jornalista Léo Veras, mais uma vítima dos matadores da fronteira (Foto: Arquivo)
Jornalista Léo Veras, mais uma vítima dos matadores da fronteira (Foto: Arquivo)

A resposta é simples! O total de 250 execuções nos 12 meses de 2019 foi contabilizado dia a dia por um jornalista da fronteira, importante colaborador do Campo Grande News e de outros veículos de comunicação do Brasil, Lourenço Veras, o Léo Veras.

Foi Léo Veras que criou sua própria planilha para contar os assassinatos na Linha Internacional, especialmente na fronteira imaginária entre Pedro Juan Caballero e Ponta Porã.

Mas em 2020 ele não conseguiu repetir a contagem. Léo Veras passou a fazer parte da macabra e agora ignorada estatística da “Terra sem Lei” que se tornou esse pedaço do Continente.

Na noite de 12 de fevereiro de 2020, Léo Veras jantava com a esposa, os dois filhos e o sogro em sua modesta casa no Jardim Aurora, em Pedro Juan Caballero, quando bandidos chegaram em um SUV branco para sequestrá-lo. Léo tentou fugir correndo para o quintal, mas foi morto com 15 tiros de pistola 9 milímetros.

Quase um ano depois, a execução de Léo Veras continua sem solução, assim como 99% dos assassinatos semelhantes ocorridos em Pedro Juan Caballero/Ponta Porã.

A polícia sul-mato-grossense se vangloria por esclarecer a maioria dos assassinatos ocorridos em Mato Grosso do Sul. Essa estatística é verdadeira.

Entretanto, o percentual sem solução é formado justamente pelas execuções, as mortes encomendadas pelo crime organizado, que seguem sem explicação. Faltam testemunhas, afirmam os policiais da fronteira.

Mulher ajoelhada ao lado do marido, fuzilado em Ponta Porã (Foto: Arquivo)
Mulher ajoelhada ao lado do marido, fuzilado em Ponta Porã (Foto: Arquivo)

Outro ano de sangue – Entre desculpas, mea culpa e corrupção policial, as execuções continuaram ao longo de 2020. Nem mesmo a pandemia do novo coronavírus foi suficiente para frear os fuzilamentos, sequestros, torturas e corpos esquartejados na Linha Internacional que cada dia se parece mais com as cidades dominadas pelos cartéis mexicanos.

Ninguém sabe ou admite saber o motivo exato de tantas mortes. Existe todo tipo de especulação, mas todas relacionam os assassinatos ao acerto entre bandidos e à guerra travada pelas quadrilhas para assumir o controle do tráfico de drogas e de armas.

Fontes policiais da fronteira afirmam que a guerra começou em 2016, após a execução cinematográfica de Jorge Rafaat Toumani no centro de Pedro Juan Caballero. A morte foi atribuída pela polícia paraguaia ao consórcio formado pela facção brasileira PCC (Primeiro Comando da Capital) e o narcotraficante Jarvis Gimenes Pavão, chefe de um dos poucos clãs locais que ainda existem. Ele está recolhido no Presídio Federal de Brasília.

Depois da morte de Rafaat, a trégua acabou e várias pessoas ligadas a Jarvis Pavão foram executadas nos últimos quatro anos. Moradores da fronteira afirmam que atualmente o PCC está no controle total da Linha Internacional.

Chacina – Em novembro de 2020, o PCC deu outra mostra de que não possui mais concorrentes em Pedro Juan Caballero/Ponta Porã. Quatro homens ligados ao antigo rei da fronteira Fahd Jamil, o “Fuad”, foram sequestrados, torturados, asfixiados e fuzilados.

Depois os corpos foram colocados dentro de uma mesma cova rasa a 15 km do centro da capital de Amambay. Dois mortos eram sobrinhos de Fuad e todos ligados ao filho dele, Flávio Correia Jamil Georges, o Flavinho.

Com base em informações de fontes anônimas, o Campo Grande News revelou no dia 30 de novembro que os quatro foram mortos no chamado “tribunal do crime”, o julgamento aplicado pelo PCC a seus inimigos. Havia temor de guerra sem precedentes entre as duas quadrilhas após as mortes. Mas a temida guerra não aconteceu. Por razões óbvias: no século XXI, nem Fuad Jamil é páreo para o PCC na sangrenta fronteira entre o Paraguai e Mato Grosso do Sul.

Carro fuzilado em Pedro Juan Caballero; cena faz parte da rotina da fronteira (Foto: Arquivo)
Carro fuzilado em Pedro Juan Caballero; cena faz parte da rotina da fronteira (Foto: Arquivo)


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